Engenharia genética ajuda a entender pandemia de 1918

Um grande mistério da história da ciência talvez esteja com os dias contados. Pesquisadores das Universidades de Wisconsin-Madison (EUA) e de Tóquio podem ter identificado a mutação que levou o corriqueiro vírus influenza, causador do resfriado, a se tornar o temido responsável pela gripe espanhola de 1918, numa pandemia que dizimou mais de 20 milhões de pessoas em todo o globo em um único ano.

A foto mostra uma forma relativamente branda do vírus influenza, à qual foram adicionados os genes responsáveis pela letalidade da gripe de 1918 (foto: Yoshihiro Kawaoka, Univ. de Wisconsin-Madison)

Liderados pelo virologista japonês Yoshihiro Kawaoka, os cientistas investigaram amostras do vírus recolhidas do tecido pulmonar de cadáveres preservados de vítimas da gripe espanhola de 1918 e identificaram um gene específico que pode explicar sua extrema virulência. Inserido em vírus relativamente benignos, esse gene – a hemaglutinina (HA) – mostrou-se capaz de transformá-los em formas altamente patogênicas, transmissíveis e por isso mais perigosas.

Os resultados foram divulgados na edição de 7 de outubro da Nature e irão ajudar a entender como o vírus se espalhou de forma tão rápida e eficiente.

Os pesquisadores adicionaram o gene HA a uma forma branda do vírus e analisaram as transformações decorrentes. Em laboratório, ratos foram infectados pelo novo vírus e manifestaram os mesmos sintomas encontrados em humanos contaminados pela gripe. Apesar da doença dificilmente se manifestar nesses roedores, eles tiveram o pulmão totalmente infectado e apresentaram graves reações inflamatórias e fortes hemorragias.

A pesquisa também reforçou a hipótese de o vírus de 1918 ter tido sua origem em aves e, por sua propriedade mutagênica, ter rapidamente se adaptado aos humanos. Os vírus que atacam aves têm receptores específicos em sua superfície que reconhecem as células a serem invadidas – por isso, raramente infectam células humanas. Os cientistas constataram que vírus de aves que receberam o gene HA invadiam com facilidade células humanas.

A pesquisa constatou, ainda, que grande parte da população mundial estaria vulnerável a uma eventual manifestação do vírus da gripe modificado pelo gene HA. A análise de amostras de sangue de japoneses com idade entre 2 e 102 anos constatou que somente os sobreviventes da pandemia de 1918 – hoje idosos – possuem anticorpos naturais contra o vírus e resistiriam, por isso, a um outro surto.

O estudo das cobaias infectadas ajudará a esclarecer como o vírus é transmitido e como ele se desenvolve no organismo humano. Será possível então entender como a gripe espanhola se espalhou de forma tão devastadora e como o vírus potencializado pelo gene HA poderá agir em caso de novo surto. Os cientistas poderão, assim, preparar-se melhor para desenvolver novas formas de prevenção e tratamento para uma possível nova pandemia.  

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
09/11/04