Equações como aliadas do coração

Doenças cardiovasculares são multifatoriais, ou seja, condicionadas tanto por aspectos genéticos quanto por fatores de risco como peso, idade ou taxa de colesterol. Por isso, elas precisam ser estudadas a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Com esse espírito, pesquisadores de diversas áreas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aplicaram um modelo matemático que leva em conta os aspectos genéticos e ambientais para avaliar a probabilidade de um indivíduo desenvolver doenças cardiovasculares.

A técnica já foi aplicada com sucesso no Hospital Universitário da UFRJ e pode contribuir para formas mais eficazes de prevenção e tratamento. A idéia surgiu numa conversa informal entre a médica Lúcia Helena Salis e os professores Edson Rondinelli, do Instituto de Biofísica, Nelson Souza e Silva, da Faculdade de Medicina, e Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, do Instituto de Matemática.

O método adotado pela equipe da UFRJ é conhecido como Modelo Oculto de Markov e muito utilizado em computação e engenharia. Ele consiste num conjunto de equações matemáticas cujas variáveis correspondem aos fatores genéticos e ambientais que podem levar ao desenvolvimento de uma doença. Os resultados são interpretados e transformados em dados clínicos que avaliam a predisposição de um paciente a desenvolver um mal cardiovascular.

“O modelo é uma simplificação da realidade”, explica Nelson Souza e Silva. “Procura-se avaliar características que aparecem em conjunto para entender associações que podem ou não resultar em uma doença.” O método funciona como um leitor de sinais que reconhece dados, relaciona fatores e aponta a propensão do paciente à manifestação de um problema cardiovascular.

“Ele pode indicar, por exemplo, a influência do tabagismo sobre um homem jovem ou idoso, associar a essa conclusão outro fator – como a obesidade ou uma possível alteração genética – e descobrir se o paciente é ou não suscetível ao desenvolvimento de uma doença cardiovascular”, explica Lúcia Helena.

Conhecer todos os aspectos que contribuem para a ocorrência de problemas cardiovasculares é fundamental para um tratamento eficiente. Como não há causa única para a ocorrência de tais doenças, também o uso de medicamentos deve levar em consideração a conjunção de fatores.

“A associação de uma alta taxa de colesterol a um perfil genético pode resultar em hipertensão em um indivíduo e em outro não, e pode ter significados diferentes em homens e mulheres”, exemplifica Edson Rondinelli. “Um remédio que controle o colesterol, assim, não é necessariamente garantia para o controle do infarto do miocárdio”.

O modelo foi aplicado a 117 pacientes do Hospital Universitário e, além dos fatores de risco, estudou a influência de um marcador genético (um polimorfismo do gene do angiotensinogênio) no desenvolvimento da hipertensão arterial. A alteração desse gene pode levar à hipertensão, mas não é fator único para o desenvolvimento da doença.

A partir da combinação de outros fatores de risco à mutação genética, o modelo destacou os casos mais propensos à hipertensão e teve, assim, seu sentido clínico comprovado. Para Lúcia Helena, o modelo é importante porque sua capacidade de reconhecer sinais ainda não foi esgotada. “O próximo passo é aplicá-lo a uma população maior, com outros marcadores genéticos, e entender como ele funcionará nessas condições.”

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
12/11/04