Equilíbrio alterado

Viver em cidades tem seus benefícios e confortos, mas certamente gera impactos negativos na saúde. Um deles, apontado pela antropóloga Nina Jablonski, da Universidade Penn State (Estados Unidos), é a deficiência de vitamina D. A escassez do nutriente entre os habitantes das cidades se deve a pouca exposição ao sol que a vida urbana proporciona.

“Pensamos que somos muito sofisticados, por viver em prédios e usar boas roupas, mas isso é algo que a humanidade só começou a fazer nos últimos séculos da nossa história de mais de 200 mil anos como espécie”, disse a pesquisadora durante o encontro anual da Sociedade Americana para o Progresso da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), em Boston. “Hoje passamos a maior parte do tempo fora do alcance do sol e isso mudou nossa saúde drasticamente.”

Se, por um lado, os raios ultravioleta são vistos como vilões por causarem doenças de pele como o câncer, por outro, eles estimulam a produção de vitamina D, fundamental para que nosso organismo absorva cálcio apropriadamente. A falta da vitamina pode causar problemas nos ossos, como a osteoporose, além de enfraquecer o sistema de defesa do corpo, deixando-o mais vulnerável a gripes e resfriados.

Atualmente, a antropóloga acompanha mil pessoas com diferentes pigmentações de pele na África do Sul para verificar os impactos da pouca exposição aos raios ultravioleta na saúde e nos níveis de vitamina D.

Ela e sua equipe estão medindo as horas que os voluntários da pesquisa passam ao sol e os níveis da vitamina em seu sangue. Os resultados serão analisados à luz de pesquisas semelhantes que já foram conduzidas em outras regiões do mundo.

Sol
Antropóloga Nina Jablonski acompanha mil pessoas com diferentes pigmentações de pele na África do Sul para verificar os impactos da pouca exposição aos raios ultravioleta na saúde e nos níveis de vitamina D. (foto: Rafael Alvez Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

Os estudos clínicos atuais apontam que em países próximos ao Equador, como o Brasil, entre 5 e 20 minutos diários de exposição ao sol são suficientes para garantir a produção de vitamina D em níveis aceitáveis.

Pode parecer fácil para quem vive em um país ensolarado como o nosso. Mas Jablonski lembra que os horários mais seguros para pegar sol sem ter problemas de pele são entre 9h e 11h e entre 16h e 18h – períodos em que grande parte da população está trabalhando em locais fechados.

A vitamina D pode ser obtida de alimentos como o óleo de peixe, no entanto, a pesquisadora ressalta que é difícil atingir os níveis desejados somente com a alimentação. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam esse problema por aqui e mostram que 99,2% das mulheres e 99,6% dos homens não ingerem a quantidade adequada de alimentos com vitamina D.

Para obter vitamina D sem ficar exposto aos perigos do UV nem passar mal de tanto comer óleo de peixe, Jablonski aconselha a ingestão de suplemento do nutriente. Segundo ela, é seguro e não existe o risco de overdose, pois a vitamina extra é descartada pelo organismo.

Do pelo à melanina

A urbanização também fez com que os seres humanos perdessem uma vantagem natural adquirida há milhares de anos, conta a antropóloga. Evidências fósseis sugerem que há cerca de 1,6 milhão de anos nossos ancestrais, os australopitecos, começaram a perder o pelo do corpo. A mudança foi consolidada pela seleção natural no Homo sapiens porque ajudava a manter a temperatura corporalpor meio do suor durante exercícios prolongados.

Mas o que o pelo tem a ver com a pele? Jablonski explica que foi a perda do pelo que fez surgir nos homens a pigmentação escura da pele, como forma de protegê-la contra os efeitos negativos dos raios ultravioleta do sol – vantagem que hoje estaria desfalcada.

Foi a perda do pelo que fez surgir nos homens a pigmentação escura da pele, como forma de protegê-la contra os efeitos negativos dos raios ultravioleta, vantagem que hoje estaria desfalcada

“A melanina ajudou a humanidade a manter o delicado balanço entre muita e pouca exposição ao ultravioleta”, diz. “Mas, conforme as pessoas começaram a migrar pelo planeta, fenômeno que cresceu nos últimos séculos, essa adaptação perdeu a sua vantagem evolutiva. Hoje pessoas com mais melanina vivem em lugares com pouco sol e pessoas com pouca melanina vivem em lugares com muito sol.”

A geneticista Ellen Quillen, do Instituto de Pesquisa Biomédica do Texas, que estuda a melanina, comenta que no dia a dia nos esquecemos dessa perda da vantagem evolutiva e que até mesmo médicos desconsideram esse fator quando tratam seus pacientes.

“Temos observado que existem certos grupos sociais que não se preocupam em usar protetor solar porque pensam que a pele mais escura é suficiente para protegê-los”, diz. “Alguns estudos também apontam que muitas vezes os médicos não procuram com a mesma preocupação sinais de câncer em peles mais escuras, assumindo que elas estão mais protegidas. Mas mesmo as pessoas com pele mais escura devem se preocupar com problemas de pele.”

Sofia Moutinho*
Ciência Hoje On-line

*A repórter viajou para Boston a convite da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS)