Espaço sem dono

Criar reservas ambientais no Sistema Solar lhe parece uma idéia estranha? Pois é isso que propõem dois pesquisadores europeus: um artigo publicado em novembro de 2004 da revista Space Policy defende a criação de “parques planetários” em Marte e, futuramente, na Lua, com o objetivo de preservar determinadas áreas da degradação causada por nós, terráqueos. Os autores são Charles Cockell, do British Antarctic Survey (BAS), centro de pesquisas científicas do Reino Unido na Antártica, e Gerda Horneck, do Centro Aeroespacial Alemão.

Segundo eles, mesmo que não haja vida no planeta vermelho, é importante conservar as belezas naturais do lugar e evitar que detritos de naves aeroespaciais sejam deixados por lá. E, caso haja vida, é importante preservá-la para futuros estudos científicos.

A sugestão do artigo é que se criem parques de acordo com sua importância ‐ histórica, científica ou até mesmo turística ‐ e que haja regras para a visitação às áreas delimitadas. As regras de acesso incluiriam a proibição de ’aterrissagem’ de naves, o controle para que eventuais visitantes não deixem resíduos e a esterilização dos veículos que poderiam ter acesso ao parque, que seriam definidos previamente.

A idéia pode soar interessante, mas esbarra em obstáculos jurídicos. Segundo José Monserrat Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, não há ainda uma legislação internacional clara e solidamente apoiada para regulamentar a exploração do espaço. Assim, a criação de parques planetários não teria em que se apoiar para evitar possíveis crises diplomáticas decorrentes da sua adoção.

Em 1984 entrou em vigor o Acordo da Lua, aprovado na Assembléia Geral da ONU, que define as riquezas encontradas na Lua e em outros corpos celestes como patrimônio da humanidade. Entretanto, o acordo não foi ratificado pelos países de maior expressão na exploração espacial, como Estados Unidos, França, China, Índia, Rússia e Japão, o que não os obriga a cumpri-lo.

Atualmente, o acordo que rege as atividades aeroespaciais é o Tratado do Espaço, de 1967. Esse tratado, ratificado por cem e assinado por mais trinta países, determina que o espaço e os corpos celestes são abertos à exploração para todos os países e que os mesmos podem ser usados, porém não apropriados.

Os autores do artigo admitem que há uma lacuna no que diz respeito à realização prática do projeto dos parques planetários, já que não há um órgão internacional definido para cuidar do assunto. Eles sugerem que as reservas poderiam ser administradas pelo Comitê de Pesquisa Espacial (Cospar) e pelo órgão das Nações Unidas responsável por assuntos espaciais.

Segundo José Monserrat, mesmo que os parques sejam construídos por empresas, seriam de responsabilidade dos Estados nos quais estão sediadas, o que feriria o Tratado do Espaço, já que significaria a apropriação de território espacial. “A proteção planetária é importante”, pondera o vice-presidente da SBDA, “mas é fundamental pensar de que forma isso seria regulamentado.”

Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
01/02/05