Esperança africana

 

Com um histórico de colonização e de evasão de riquezas, a África tem perdido seus melhores pesquisadores para países industrializados como os Estados Unidos. No entanto, o êxodo de cérebros não impede os países africanos de obter avanços significativos em campos como a luta contra a Aids ou o estudo do conhecimento tradicional sobre propriedades terapêuticas das plantas locais.

Essas conquistas foram o tema de várias apresentações na 10ª Conferência da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês), realizada no início de setembro em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Apesar da variedade dos temas tratados, os trabalhos tiveram um denominador comum: a realização de ciência de qualidade em países listados entre os menos desenvolvidos do mundo, nos quais faltam muitas vezes recursos básicos para a sobrevivência.

O farmacologista nigeriano Charles Wambebe, da organização Pesquisa Biomédica Internacional na África, mostrou como o conhecimento tradicional sobre plantas medicinais gerou um novo medicamento capaz de tratar a anemia falciforme, doença que afeta 25% da população de seu país. O remédio, feito a partir de uma mistura de diversas plantas, incluindo a semente de uma espécie de pimenta ( Pipper guineense ), começou a ser comercializado em julho deste ano.

O avanço na luta contra o vírus do HIV foi tema das apresentações de pesquisadores de Senegal e de Uganda, país da áfrica sub-saariana onde a doença mais cresceu na década de 1980. Peter Mugyenyi, do Centro de Pesquisa Clínica Joint, de Uganda, afirmou que a epidemia de Aids deixou de ser apenas uma doença. “Trata-se de um desafio social e de desenvolvimento”, disse. Mugyenyi agradeceu ao Brasil pela quebra de patente dos medicamentos – a falta de estrutura e principalmente os altos preços dos testes e remédios necessários no combate ao vírus HIV estão entre os empecilhos enfrentados na luta contra a Aids na África.

Especialistas apresentam iniciativas científicas bem-sucedidas na África em simpósio durante o congresso da TWAS (foto: Peter McGrath).

A equipe do pesquisador realizou um mapeamento das principais variedades do vírus na África do leste e central (outros cientistas levantaram dados sobre outras partes do continente). Os resultados ajudaram a implementar em Kampala, capital de Uganda, um programa que já reduziu significativamente a taxa de infecção na população do país que possui, segundo estimativas da pesquisa, 80 mil pacientes soropositivos. A experiência foi expandida e hoje 36 centros distribuídos pelo país oferecem tratamento a cerca de 40 mil pacientes. O programa também serve de base para iniciativas em outras regiões do continente.

A África vive, nas palavras de Philippe Rasoanaivo, especialista em medicina tradicional do Instituto Malgaxe de Pesquisas Aplicadas, de Madagascar, o “paradoxo da biodiversidade” – combina riqueza natural e pobreza social. A ciência feita pelos países mais pobres do continente e apresentada no evento promete ser uma aliada na tarefa de transpor essa e muitas outras barreiras na construção de uma nova África.

Cooperação Sul-Sul
A 10ª Conferência da TWAS reuniu cerca de 400 cientistas de mais de 50 países, além de contar com a presença de ministros de diversos países, incluindo ministro brasileiro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. “A TWAS é a mais importante entidade internacional capaz de promover a cooperação Sul-Sul no domínio da ciência”, salientou ele no discurso de abertura do evento.

Criada em 1983 sob a liderança do paquistanês Abdus Salam, a TWAS tem por objetivo promover capacitação e excelência em ciência, criando bases para o desenvolvimento sustentável. Conta com 850 membros, 44 dos quais eleitos durante a conferência em Angra dos Reis.

Com 72 membros, o Brasil é um dos países em destaque na TWAS e vai ocupar agora a presidência da organização. O matemático Jacob Palis, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, foi eleito para ocupar o cargo pelos próximos três anos. Entre as prioridades de sua gestão, ele citou o aumento da participação de mulheres na ciência e a garantia de que os pesquisadores dos países menos desenvolvidos possam seguir carreiras de sucesso em seus países de origem.

Mariana Ferraz
Especial para a CH On-line
13/09/2006