Glioblastomas multiformes (GBM) são os tumores mais comuns do sistema nervoso central e também os mais agressivos. Infiltram-se com facilidade, migrando para diferentes áreas do cérebro e produzindo incapacidade progressiva. Em pacientes submetidos a cirurgia para retirada total deste tipo de câncer, a recidiva é muito alta. Neste cenário de desalento, desponta uma esperança: testes em camundongos que utilizaram células-tronco neurais derivadas do tecido muscular em associação com o vírus HIV modificado exterminaram o tumor original e seus derivados.
A realidade é cruel. No Brasil, a incidência de tumores do sistema nervoso central é de aproximadamente sete em cada 100 mil habitantes. A média de sobrevida, a partir do diagnóstico, é geralmente menor que um ano e a maioria dos pacientes (90% a 95%) evoluirá para óbito em dois anos. Hoje, tenta-se reduzir o potencial de recidiva dos GBMs malignos com a combinação de radioterapia pós-operatória e quimioterapia. Mas, mesmo tendo sido extirpado cirurgicamente e tratado com esta dupla de procedimentos, existe grande probabilidade de recorrência do tumor, porque sua capacidade infiltrativa favorece o surgimento de tumores satélites. É bem verdade que algumas drogas apresentam eficácia contra as células tumorais de GBM em cultura de células e até em animais experimentais, porém, os tumores satélites permanecem dificultando a eliminação das células malignas.
Conseguir combater o foco original do câncer e seus derivados é o ponto central da pesquisa que desenvolvemos no Departamento de Patologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um novo caminho começou a ser trilhado com o isolamento de células-tronco neurais a partir de tecido muscular de animais. A vantagem de se utilizar esse tecido é que ele representa aproximadamente 50% do corpo e é facilmente acessível para biópsias, sem gerar danos ao doador. Mas o melhor é que as células-tronco neurais derivadas do músculo esquelético se mostraram capazes de sobreviver após serem injetadas no cérebro sem o risco de formar tumores.
Uma nova e positiva surpresa foi verificar que as células-tronco neurais apresentavam tropismo – tendência para migrar – em direção às células tumorais de GBM. Assim, elas foram usadas como veículos para levar medicamentos às células tumorais no cérebro. O procedimento consistiu em injetar células-tronco neurais marcadas com fluorescência verde em um lado do cérebro de camundongos, enquanto as células tumorais estavam marcadas com fluorescência vermelha e localizadas no lado oposto. O resultado foi que as células-tronco neurais migraram tanto para o tumor primário como para os satélites distantes dele.
Em seguida, valendo-se da engenharia genética, a equipe da UFMG utilizou um vírus HIV modificado, isto é, sem potencial de causar AIDS, para inserir uma sequência que codifica uma proteína antitumoral (TRAIL) dentro do DNA destas células-tronco neurais. Quando as células tumorais foram expostas às células-tronco neurais produzindo a tal proteína, observou-se que as células tumorais morriam.
Usar um vírus normalmente patogênico para uma finalidade benéfica desponta como uma possibilidade interessante para a biomedicina. Não se descarta, portanto, a possibilidade de que o vírus da Zika, que apresenta tropismo para o sistema nervoso central, possa ser usado no futuro como veículo de transporte para drogas em certas regiões do cérebro com a finalidade de combater doenças neurodegenerativas.
Alexander Birbrair
Departamento de Patologia
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Minas Gerais