A harpia, nativa das Américas, é considerada a mais poderosa ave de rapina (fotos: Alexandre Marchetti).
Em meados de janeiro, biólogos e veterinários comemoravam o nascimento, no Refúgio Biológico Bela Vista, em Foz do Iguaçu (PR), do primeiro filhote de harpia reproduzido em cativeiro no Sul do país. Agora, a equipe comemora o fato de ele estar crescendo com saúde, um indício da possibilidade de recuperação da espécie, já praticamente extinta no Paraná. O Refúgio Biológico Bela Vista fica no interior de uma unidade de proteção ambiental mantida pela Itaipu Binacional.
“É a primeira vez que obtemos sucesso na reprodução de harpias em cativeiro”, diz Wanderlei de Moraes, um dos veterinários do refúgio. Ele conta que outros três filhotes nasceram no ano passado, mas não conseguiram sobreviver por mais de uma semana. A explicação, segundo Moraes, é que a mamãe-harpia simplesmente não os alimentava. “Desconhecemos a razão desse comportamento”, confessa.
Para evitar que o novo filhote também morresse, a solução encontrada pela equipe foi separá-lo da mãe. E os veterinários assumiram então a responsabilidade de alimentá-lo e tomar conta dele. “Mas isso exige uma série de cuidados especiais”, diz Moraes. Na hora de dar comida, é preciso usar disfarces de ave para simular um ambiente real, pois o filhote estranharia o contato direto com seres humanos.
Outro cuidado, às vezes negligenciado por profissionais que trabalham em cativeiros, diz respeito ao tipo de carne dada aos animais. Segundo Moraes, muitos criadouros os alimentam com carne pura – o que é um erro. “Por não conter elementos essenciais, como o cálcio, a carne pura não garante alimentação balanceada aos filhotes.” No ambiente natural, em geral os pais dão a suas crias pedaços de animais que contêm não só carne, mas também pele, gordura e até ossos.
Cardápio especial
A solução encontrada pela equipe foi inovar o cardápio. O prato principal é nada menos que rato martelado. Pode não parecer tão apetitoso, mas o alimento tem todos os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento do filhote, garante o veterinário. “Prova disso é que ele está crescendo mais saudável do que nunca.”
Quando o filhote estiver apto a se alimentar sozinho, a equipe pretende devolvê-lo aos pais. “Esperamos que isso aconteça daqui a alguns meses”, prevê o veterinário. Mas, para que ele possa ser solto no ambiente natural, são necessários ao menos quatro ou cinco anos. “Entretanto”, pondera Moraes, “ainda não podemos saber com certeza qual o futuro desse filhote.”
Filhotes de harpia, com cerca de dois meses de vida, recebem cuidados no Refúgio Biológico Bela Vista, em Foz do Iguaçu (PR). O mais novo morreu no início de março e o outro está crescendo com saúde.
No dia 20 de janeiro, a equipe do refúgio se surpreendeu com outra novidade: o nascimento de um novo filhote. Ele se desenvolvia normalmente e com boa saúde, mas morreu em meados de março devido a um quadro de septicemia (um tipo de infecção que ocorre no sangue). “Não sabemos ao certo por que isso aconteceu”, lamenta o veterinário.
O irmão mais velho – que se suspeita seja um macho – felizmente passa bem. Ele está sendo criado em ambiente isolado, pois, segundo o veterinário, os animais que crescem sem contato com humanos têm mais chance de formar casais e reproduzir. “Esperamos poder usá-lo futuramente em um programa de reprodução da espécie.”
Outros casos de reprodução de harpias em cativeiro já tiveram sucesso em diferentes partes do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Ceará. Um dos maiores desafios é educá-las para que um dia possam voltar a sobreviver em ambiente natural. “Mas jamais podemos liberar pequenos grupos na natureza. É preciso soltar dezenas, ou até centenas, de indivíduos simultaneamente, para que as chances de sobrevivência sejam significativas.”
Gavião-real
Casal de harpias resgatadas em operação de combate ao tráfico de animais silvestres. No Refúgio Biológico Bela Vista a fêmea chocou vários ovos: esperança de recuperação da espécie no Paraná.
A harpia (Harpia harpyja), também conhecida como gavião-real ou uiraço-verdadeiro, é uma ave rara no Brasil. Segundo o Instituto Ambiental do Paraná, ela já foi extinta em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Originalmente era encontrada em várias partes da América, desde o México até as florestas do sul do continente. Mas hoje é a Amazônia que abriga os maiores remanescentes da espécie. A devastação das florestas é apontada pelos biólogos como principal causa do gradual desaparecimento da ave. Mas outro fator ainda pesa bastante: o tráfico de animais silvestres.
A mãe do filhote recém-nascido no Paraná veio de Juazeiro (BA) e foi capturada durante uma operação policial que investigava o tráfico de animais silvestres. Ela foi encaminhada ao zoológico de Brasília e, em seguida, doada ao Refúgio Bela Vista, em 2002. Já o pai, que está no refúgio desde 2000, foi encontrado em uma caixa de papelão na BR-277, em Foz do Iguaçu. “Provavelmente vítima do tráfico também”, supõe Moraes.
O casal é um dos únicos exemplares de harpias em cativeiro no Paraná. “Apesar de ambos terem sofrido tantos traumas, felizmente ainda estão em condições de se reproduzir”, diz o veterinário. Segundo ele, a equipe espera que a fêmea volte a botar outros ovos ainda este mês. Se tudo correr bem, certamente a família irá aumentar.
Henrique Kugler
Especial para a CH On-line / PR
25/05/2009