Um estudo com capas da revista Veja sugere vieses de gênero e etnia adotados pela publicação. O trabalho, que poderia levar anos para revelar os dados obtidos, contou com o auxílio fundamental da computação.
O objetivo era justamente mostrar como a produção e aplicação de algoritmos ‘culturais’, que permitem a distinção de faces, gêneros, entre outros elementos visuais, podem auxiliar as ciências sociais, em uma parceria que já ganhou status de novo campo de pesquisa, batizado de humanidades digitais.
“Seguimos a proposta teórica de Lev Manovich, professor da City University of New York, de analisar fatores culturais através do processamento de dados em larga escala para tratar de temas que levariam talvez décadas para serem obtidos, normalmente em extensas pesquisas em bibliotecas ou mesmo acervos”, explica o cientista da computação Márcio Emílio dos Santos, autor da pesquisa.
O trabalho foi realizado durante seu mestrado em comunicação, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), sob orientação do comunicólogo Cícero Inácio da Silva, coordenador do Laboratório de Estudos do Software da instituição. Para o projeto, Santos analisou 2.200 capas da revista Veja, publicadas entre 1968 – ano de fundação do veículo – e 2012, quando a pesquisa foi finalizada.
“Além de dados quantitativos, criamos alguns algoritmos ‘qualitativos’ com o intuito de provocar uma discussão sobre como a revista com maior circulação nacional vem tratando, mesmo que inconscientemente, de alguns temas em suas capas”, explica o pesquisador.
Entre os resultados, o estudo mostra que 12% das capas da Veja apresentam mulheres como tema principal, sendo que hoje elas são 51% da população. Outros dados apontam que mulheres negras representam 0,33% do total das capas, apesar de o último censo do IBGE (2010) demonstrar que metade da população feminina é negra ou parda. Ainda, a mulher negra é apresentada em apenas três tipos de temas nas capas: guerra (refugiados), carnaval e política.
Quanto ao gênero masculino, o estudo mostra que os homens negros aparecem em uma porcentagem um pouco maior que as mulheres – em 2% das capas totais de Veja. Das temáticas em que essa parcela da população aparece nas capas, três se destacam: esporte, crime e política.
Análise de temas e cores
Para analisar as capas da revista, o pesquisador construiu uma tabela de informações para catalogar o material, com espaço para registrar a data e o número da edição, a principal manchete de capa e os personagens presentes. “Na construção dos mapas visuais, é possível caracterizar cada imagem individualmente”, acrescenta Santos.
O pesquisador utilizou dois softwares para a análise, o ImageJ e o ImagePlot. O primeiro utiliza algoritmos matemáticos para ler padrões gráficos formados por arquivos de imagens digitais. A partir dos resultados, apresentados em planilhas, o programa monta visualizações segundo os critérios definidos pelo pesquisador.
O segundo software permite, por sua vez, que imagens – sejam de filmes, revistas digitais ou impressas – sejam comparadas e analisadas quadro a quadro em busca de padrões ou particularidades que tragam novos significados sobre essas obras. “Depois de definido o tipo de análise, o programa gera uma visualização de todos os componentes em uma única imagem”, explica o pesquisador. “Isso oferece uma perspectiva de contextualização extremamente inovadora e importante para as pesquisas na área.”
Com o auxílio desses programas, Santos observou padrões visuais bem definidos que se mantiveram ao longo de toda a história da Veja, como o uso recorrente de certas cores e formas geométricas. “Nos mapas de visualização percebe-se o agrupamento das revistas em formas geométricas bem delimitadas como um triângulo, ou em faixas de padrões cromáticos – branco, vermelho, azul e preto –, o que permite ver as poucas revistas que não se encaixam nesses padrões”, explica.
Visualização de grandes imagens
Atualmente, Santos é pesquisador parceiro do Medialab, laboratório experimental da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e do laboratório de estudos sobre imagens e cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. “Estamos aproveitando o interesse pelo projeto de visualização de dados para o desenvolvimento e a formação de equipes nessa área”, diz o pesquisador, que vem explorando recursos computacionais como os videowalls, painéis usados para a visualização de grandes imagens.
Em novembro de 2012, no fim do mestrado, ele construiu um videowall – também chamado hyperwall – no Laboratório dos Estudos do Software da UFJF com a visualização de sua pesquisa. Foram criadas imagens de 250 megapixels com todas as capas selecionadas para o estudo.
De acordo com Santos, a visualização de dados está avançando no Brasil, com fortes parcerias nessa área entre universidades e o desenvolvimento de projetos para a promoção desse tipo de pesquisa. “É uma grande iniciativa que irá libertar a visualização das informações do formato de tela única de baixa densidade informacional”, completa.
Déborah Araujo
Ciência Hoje On-line