Quem tem cachorro conhece bem aquela cara de arrependido que eles fazem quando são pegos no flagra fazendo besteira. Também reconhece quando o animal está alegre, triste, assustado ou com raiva. Logo, a conclusão de um estudo recente sobre comportamento animal não vai surpreender: nós humanos somos capazes de reconhecer emoções nas expressões faciais caninas. Mas a pesquisa também mostra, contraintuitivamente, que pessoas sem experiência com cães identificam com mais precisão algumas emoções desses animais do que aqueles com experiência no assunto.
O experimento que levou a essas conclusões teve a participação do cão policial Mal, um pastor belga de cinco anos a serviço do Departamento de Correções da Pensilvânia. Os pesquisadores fizeram uma sessão de fotografias com o cachorro capturando suas expressões faciais para medo, tristeza, raiva, nojo, alegria e surpresa.
Para conseguir que o modelo fizesse as caras que eles precisavam, os cientistas montaram uma série de situações de estímulo comportamental. Para que ele ficasse alegre, por exemplo, lhe ofereceram a chance de brincar com sua bola de borracha favorita. Para que o cão expressasse medo, lhe apresentaram o temido cortador de unhas. A surpresa veio de uma caixa dessas que um palhacinho pula de dentro. O nojo foi reação a um remédio amargo, a tristeza, provocada por um bronca, e a raiva, despertada pela presença de um intruso.
As fotografias foram analisadas por especialistas em comportamento animal que escolheram as mais representativas. As imagens selecionadas foram apresentadas a um grupo de pessoas que já tinham treinado e eram donas de cães e também para um grupo de pessoas sem familiaridade com esses animais.
Os pesquisadores pediram que os voluntários identificassem as expressões. Os dois grupos se mostraram capazes de reconhecer as emoções, principalmente a felicidade. Cerca de 90% das pessoas identificaram esse sentimento corretamente, contra 70% para raiva, 45% para surpresa e 37% para tristeza e nojo.
Os pesquisadores perceberam, no entanto, diferenças de desempenho entre os dois grupos. Aqueles não familiarizados com cães obtiveram maior índice de acerto na detecção da raiva. A psicóloga líder do experimento, Tina Bloom, ex-doutoranda da Universidade Walden, acredita que essa diferença se deve ao crédito que os donos de cães dão para seus bichos de estimação.
“Os donos de animais têm ideias irreais sobre a agressividade de seus bichos, acreditam que a raiva é muito menos comum do que de fato é. Já as pessoas sem contato com cães têm mais medo e, na dúvida, identificam o comportamento como agressivo”, especula Bloom, que é dona e treina cães para o esporte de adestramento Schutzhund.
Os erros mais comuns de identificação foram confundir medo com surpresa. Segundo a psicóloga, essa é uma associação apontada também em estudos que analisam o reconhecimento facial entre humanos e reflete a semelhança que existe entre as caras e bocas do cão e do homem.
“Assim como nós, quando os cães sentem medo, arregalam os olhos e chegam a cabeça um pouco para trás”, aponta. “E é comum confundir essa expressão com surpresa, pois são reações muito próximas. A surpresa pode rapidamente mudar para o medo se o que te surpreende é algo perigoso.”
Ligação emocional
As fotografias de expressões faciais servem de instrumento de estudo na psicologia comportamental humana. Bloom acredita que uma das maiores contribuições do seu experimento é ter montado um modelo canino de expressões faciais que poderá também ser usado em outros estudos.
Além disso, a pesquisadora sugere que as fotos possam ser úteis para melhorar a comunicação entre pessoas que lidam diariamente com cães, como policias e militares.
Mas há uma questão que Bloom não sabe responder e nem a ciência chegou a um consenso: por que somos capazes de reconhecer emoções na expressão facial dos animais? Essa pergunta é antiga e já intrigava Darwin, que em 1872 publicou o livro A expressão das emoções em homens e animais defendendo que as expressões faciais são determinadas biologicamente.
No caso dos cães, duas possibilidades são cogitadas: ou eles têm expressões parecidas com as nossas porque compartilhamos a condição de mamíferos ou a nossa história de mais de 20 mil anos de convivência influenciou a comunicação entre nós de modo que as expressões deles se adaptaram às nossas.
Qual das alternativas é mais provável? “Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, diz Bloom. “Eu queria saber respondê-la, mas, por enquanto, tudo o que posso dizer é que a decodificação de expressões caninas por humanos segue a mesma lógica da decodificação entre humanos e que, portanto, somos emocionalmente conectados com os cães.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line