Estômago produz antibiótico natural

Cientistas japoneses identificaram um antibiótico natural contra a bactéria Helicobacter pylori , associada a 90% dos casos de câncer no estômago e principal causadora de doenças estomacais como gastrite e úlcera. O ‘remédio’ seria composto pela associação de uma proteína e um carboidrato encontrados na porção inferior do estômago humano. O estudo, feito por pesquisadores do Instituto Burnham nos Estados Unidos, foi publicado na revista Science em 13 de agosto.

A bactéria H. pylori tem forma de espiral, vive na mucosa do estômago de primatas e está ligada ao desenvolvimento de várias doenças gástricas

Mais de 50% da população mundial está infectada com a H.pylori , mas a maioria das pessoas não é afetada ou possui uma defesa natural contra os efeitos prejudiciais da doença. Não se conhece ainda a causa dessa imunidade: os cientistas podem ter achado a explicação para ela e encontrado um caminho para curar ou prevenir essas doenças estomacais.

A H.pylori se desenvolve normalmente na camada superficial da mucosa e revestimento do estômago, sendo muito raro encontrá-la em porções mais profundas desse órgão. Os pesquisadores desvendaram o porquê: nessa parte do estômago as células da mucosa secretam uma classe particular de glicoproteínas (o-glicanos) ligada a um carboidrato específico (alfa 1,4-N-acetilglucosamina). Essa união funciona como um antibiótico natural, um mecanismo de defesa contra a bactéria.

Os pesquisadores clonaram em laboratório a proteína ligada ao carboidrato e isolaram células de uma parte da camada do estômago que a bactéria costuma habitar para aplicar a substância. “Na presença dessa secreção, a H.pylori sofreu bloqueio na biossíntese de um componente de sua parede celular, essencial para sua sobrevivência, o que fez com que ela perdesse o formato e a mobilidade e eventualmente morresse”, explica à CH On-line o biólogo Jun Nakayama, um dos autores do estudo.

Nakayama esclarece que essa capacidade de destruir a parede celular da bactéria tem efeitos semelhantes aos acarretados pela introdução de antibióticos no organismo humano. “Esta é a primeira vez que se observa em um glicoproteína humana essa capacidade de funcionar como antibiótico”, afirma. “Isso nos fornece uma base essencial para o design de drogas seguras — sem contra-indicações — no tratamento de úlceras e na prevenção de câncer no estômago associado a H.pylori .”

Os pesquisadores agora estão estudando a possibilidade de criar vacas e grãos de soja geneticamente modificados com a intenção de produzir um leite que contenha em sua composição a proteína e o carboidrato em questão. “Seria uma forma de erradicar a infecção por H.pylori e eliminar o câncer de estômago ligado a ela”, conclui Nakayama.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
23/08/04