Acaba de ser descoberta mais uma estratégia usada pelo microrganismo causador da leptospirose para escapar dos mecanismos de defesa do corpo humano. Algumas bactérias do gênero Leptospira se unem a uma das proteínas responsáveis por parte da resposta imune inata do organismo para combater invasores. O estudo, publicado no periódico norte-americano Infection and Immunity, pode ajudar no desenvolvimento de uma vacina contra a doença, que atinge cerca de três mil brasileiros todo ano.
“Queríamos entender por que algumas espécies provocam a doença e outras não”, explica uma das autoras do trabalho, a bióloga molecular Ângela Barbosa, do Instituto Butantan. “Já sabíamos que as bactérias desse gênero contavam com outros mecanismos de evasão, como a secreção de proteases (enzimas que quebram as ligações entre os aminoácidos das proteínas), mas achávamos que existiam outros fatores envolvidos.”
Para confirmar suas suspeitas, a pesquisadora contou com a ajuda da imunologista Lourdes Isaac, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. A equipe estudou a ação de seis espécies de Leptospira, sendo cinco causadoras de leptospirose e uma inofensiva ao organismo.
Em testes in vitro, os microrganismos foram colocados em contato com o soro de pessoas não infectadas pela doença para avaliar sua suscetibilidade à reação imune do corpo. Os resultados mostraram que apenas as bactérias patogênicas eram capazes de sobreviver à ação de proteínas que fazem a defesa inata do organismo e integram o chamado sistema complemento.
Inativação da resposta imune
O segundo passo foi analisar como essas cinco espécies escapam da reação natural do corpo humano contra invasores. As pesquisadoras perceberam que as bactérias patogênicas aderiam à proteína C4BP – que controla o sistema complemento – e burlavam, assim, sua eficácia.
“É importante que o sistema complemento esteja ativo”, destaca Barbosa, que há quatro anos estuda as bactérias do gênero Leptospira . “Quando isso não ocorre, o patógeno não é eliminado e a doença se desenvolve”, completa.
“Agora queremos saber quais proteínas da bactéria se ligam à C4BP”, revela a pesquisadora. Apesar de não ser seu principal objetivo, a equipe não descarta o desenvolvimento de uma vacina a partir de suas descobertas: “Já existem estudos mais avançados. Mas, se nós caracterizarmos proteínas ligantes, essa poderia ser outra possibilidade.”
No Brasil, a maioria das infecções por Leptospira ocorre pelo contato com águas contaminadas pela urina de ratos. A falta de saneamento básico e a ocorrência de enchentes são fatores que contribuem para o surgimento de epidemias.
Estatísticas apontam para uma média de três mil casos da doença por ano no país. Mas médicos e pesquisadores acreditam que esse número seja muito superior, já que os sintomas da forma mais amena da leptospirose (que incluem febre, dores de cabeça e no corpo) se parecem com os de outras doenças tropicais.
Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
23/03/2009