Faz tempo que celular deixou de ser apenas telefone. Câmera fotográfica, filmadora, internet e televisão viraram partes quase indissociáveis do invento de Graham Bell. Se depender do projeto desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, o aparelho móvel terá mais uma utilidade: permitir que exames de vista sejam feitos em casa, pelo próprio usuário, sem a necessidade de um profissional por perto para conduzir o teste, cujo resultado aparece na tela do próprio aparelho.
Desenvolvido por grupo liderado pelo brasileiro Vitor Pamplona, o dispositivo foi batizado de Netra (‘Ferramenta para avaliação em proximidade das condições refrativas do olho humano’, na sigla em inglês).
Ele consiste em um pequeno suporte plástico com um visor que deve ser acoplado sobre a tela do celular, e um software instalado no aparelho para produzir o diagnóstico. O visor do Netra mostra linhas que deverão ser sobrepostas durante o teste usando as teclas do telefone.
Com a instalação completa, a luz da tela do celular penetra nos olhos submetidos ao exame. Os raios de luz são distorcidos de acordo com as condições refrativas do olho, e a imagem é projetada na retina.
Se a pessoa observa mais de uma linha, isso indica que ela precisa de óculos. Ela deve então sobrepor as duas imagens com as teclas do aparelho, e o grau de refração é calculado a partir desse alinhamento. O processo leva menos de dois minutos. Uma forma rápida – e barata – de diagnosticar problemas de visão como miopia, hipermetropia e astigmatismo.
Com baixo custo – algo em torno de US$ 2 – e aplicável a celulares do tipo smartphone (a geração de aparelhos com recursos mais avançados), a solução pode ser bem-vinda principalmente em países africanos e asiáticos. O objetivo dos pesquisadores é tornar exames de vista mais acessíveis a populações de áreas afastadas dos grandes centros.
Veja como o funciona o exame de vista feito pelo celular
(vídeo em inglês)
Guerra com oftalmologistas?
Se alguém pensou que a invenção despertaria uma grita entre os oftalmologistas, se enganou. O equipamento já gerou interesse entre médicos americanos. “Com o aparelho em mãos, os usuários poderão fazer o exame com maior frequência do que as visitas ao consultório”, explica Pamplona.
“Assim, variações no índice de refração em curto intervalo de tempo poderão ser percebidas mais facilmente, antecipando o diagnóstico de doenças como diabetes”, diz o cientista da computação.
O equipamento segue agora para fase de testes em diversos países, e deve passar por Malaui, Bangladesh, Índia e Honduras. É possível que o Brasil seja incluído na lista, mas ainda não há negociações em andamento.
Margem de erro
O dispositivo tem uma margem de erro superior à dos aparelhos de consultório, mas a expectativa de Pamplona é que a tecnologia seja aprimorada dentro de um ano. “O protótipo atual do Netra tem variação de cerca de 0,5 grau para cima ou para baixo, quando no consultório a margem de erro é de 0,25”, explica o brasileiro.
O aperfeiçoamento depende mais da tecnologia dos aparelhos celulares do que do próprio Netra. Uma resolução mais alta da tela deve ajudar a diminuir a margem de erro, já que no protótipo atual, usando o celular Samsung Behold II, cada pixel equivale a aproximadamente 0,6 graus dos óculos. O Nexus One reduz esse número para 0,4, e o iPhone 4G, para 0,28.
Com a tendência a ter maior definição de imagem em outros aparelhos, no futuro também poderá ser possível usar o Netra em óculos de realidade virtual, iPads e leitores digitais como o Kindle.
O projeto liderado por Pamplona foi um dos vencedores do prêmio MIT Ideas deste ano e aceito no Siggraph 2010, a maior conferência do mundo de computação gráfica.
Além do brasileiro, o grupo foi composto por dois pesquisadores indianos e contou com a orientação de Manuel Menezes de Oliveira Neto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O estudo completo pode ser lido aqui [PDF em inglês].
Debora Antunes
Ciência Hoje On-line