Fábrica de órgãos

Ainda deve levar algum tempo, mas as longas filas de espera por transplante de fígado podem estar com os dias contados. A depender da evolução da medicina regenerativa, no futuro poderá ser possível ‘fabricar’ um órgão novo, em laboratório, usando células do próprio paciente.

Um grande passo nesse sentido foi dado por pesquisadores da Universidade de Yokohama, no Japão. Em artigo que será publicado na edição desta semana da revista Nature, o grupo descreve como conseguiu produzir um fígado humano funcional a partir das chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, na sigla em inglês).

Diferentemente da célula-tronco embrionária, a iPS é obtida por meio da reprogramação genética de uma célula adulta já diferenciada. O primeiro procedimento que o grupo japonês realizou foi direcionar a diferenciação de iPS, in vitro, produzindo células hepáticas endodérmicas (encontradas no embrião e que dão origem ao tecido do fígado).

A seguir, esse material foi cultivado com outros três tipos de células – estromáticas, mesenquimais e endoteliais da veia umbilical humana – e gerou um tipo de órgão tridimensional, embora rudimentar, chamado de broto de fígado. Confirmada a existência de uma rede vascular, o broto foi transplantado para um camundongo e amadureceu, realizando todas as funções de um fígado humano.

Veja, no vídeo abaixo, como as células se organizam para formar o broto de fígado

 (crédito: Takanori Takebe)

Experimentos anteriores com iPS falharam ao tentar produzir o órgão. “A diferença é que se buscava diferenciar células em hepatócitos [que produzem proteínas no fígado] em vez de produzir o órgão como um todo”, diz Takanori Takebe, um dos autores da pesquisa.

Aplicação clínica

Embora os testes do funcionamento do órgão tenham ocorrido em um roedor, o pesquisador afirma haver grande chance de o processo funcionar em pessoas. “Todos os tipos de células usados no estudo provêm de pacientes humanos e confirmaram funções especificamente humanas”, explica. “Assim, a aplicação clínica é altamente viável.”

Takebe: Todos os tipos de células usados no estudo provêm de  humanos e confirmaram funções especificamente humanas; assim, a aplicação clínica é altamente viável

Substâncias que naturalmente são metabolizadas de modo diferente por camundongos ao serem administradas ao animal com o fígado gerado em laboratório resultaram em produtos de metabolismo do órgão humano.

Takebe afirma ainda que outros órgãos provavelmente poderão ser gerados com a mesma técnica. “Ao menos os endodérmicos, como o pâncreas, que se desenvolvem a partir do mesmo folheto embrionário que o fígado”, diz.

Marco

Para o biólogo Stevens Rehen, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o feito dos japoneses é um marco nos estudos da medicina regenerativa. “É a primeira vez que se consegue criar um órgão funcional a partir de células programadas”, ressalta. “O que chama a atenção é a estratégia de se criar um broto, e não o órgão todo fora do corpo.”

Rehen: “O que chama a atenção é a estratégia de se criar um broto, e não o órgão todo fora do corpo”

A equipe da Universidade de Yokohama espera que em mais sete a dez anos possa iniciar testes clínicos com humanos. “Há ainda um grande desafio que é conseguir produzir uma quantidade enorme de brotos de fígado a um custo razoável”, diz Takebe. “Considerando que o fígado tem mais de cem bilhões de hepatócitos e que as filas para transplante em países como os Estados Unidos chegam à casa dos milhares de pacientes, você pode imaginar quantos brotos precisaríamos gerar.”

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, 1.240 pessoas estão na lista de espera para receber um fígado em 13 unidades federativas do Brasil (Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe), sendo 683 apenas no estado de São Paulo. Os dados são de março de 2013.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR