O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e corresponde a 22% dos novos casos de câncer registrados anualmente no mundo. Os dados são globais, mas os tratamentos, condições de vida e taxa de mortalidade das mulheres com a doença variam de país para país. Brasileiras diagnosticadas com câncer mamário, por exemplo, vivem menos do que as estadunidenses que desenvolvem a doença.
A constatação foi comprovada durante o pós-doutorado do médico René Aloisio da Costa Vieira, na Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista. A partir de uma pesquisa inicial sobre a sobrevida global de pacientes com câncer de mama, Vieira decidiu comparar os dados do Brasil com os dos Estados Unidos a fim de compreender melhor por que a mortalidade dessas mulheres é maior em países em desenvolvimento.
O fato de os norte-americanos contarem com bancos de dados volumosos e de fácil acesso e de os clínicos e ginecologistas do país serem estimulados a realizar com frequência exames preventivos, como a mamografia, foi decisivo para a escolha comparativa do médico.
O estudo se baseou em dados disponibilizados pelo programa do governo norte-americano Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais (SEER, na sigla em inglês), com estatísticas sobre o câncer na população estadunidense, e pelo Hospital de Câncer de Barretos (HCB), Centro de Referência de Alta Complexidade em Oncologia (Cracon), em São Paulo, que atende pacientes exclusivamente do Sistema Único de Saúde e possui dados registrados desde 1985.
Como as informações disponíveis não eram as mesmas em todos os casos, o médico precisou fazer um recorte para padronizar a comparação. “Utilizamos apenas mulheres com diagnóstico histológico confirmado, diagnosticadas entre 1998 e 2001, com tumores invasivos (estágio clínico de 1 a 4) de morfologia semelhante e sem tumores em outras partes do corpo”, explica Vieira. Além disso, essas pacientes haviam sido acompanhadas durante pelo menos dez anos.
No total, a pesquisa utilizou cerca de 7% dos dados provenientes das duas instituições, o que resultou em uma amostra de 47.250 mulheres estadunidenses e outra de 804 brasileiras.
A importância do diagnóstico precoce
Ao comparar os dados das duas populações, o médico observou que os casos de câncer precoce respondiam por 50,1% da amostra do SEER, contra 10,2% da amostra do HCB, enquanto a taxa de tumores avançados foi de 8,5% na primeira e de 45,8% na segunda.
Vieira Verificou também que 10 anos após o início do tratamento, 71,8% das norte-americanas encontravam-se vivas, contra 52,2% das brasileiras, uma diferença de 19.6%. “Se considerarmos que por ano são 52.680 casos novos no Brasil, estaríamos falando que, a cada ano, 10.325 mulheres estariam vivas nos Estados Unidos e não no Brasil”, calcula.
Quando comparou pacientes no mesmo estágio da doença, Vieira observou, no entanto, que a sobrevida de brasileiras e norte-americanas era semelhante, o que o fez concluir que a principal lacuna está na prevenção. “A sobrevida inferior das brasileiras não estava relacionada ao tratamento, e sim ao grande número de mulheres que procurou tratamento com tumores em estágio mais avançado no Brasil.”
Diante dos resultados obtidos, o médico defende maior investimento em ações na rede básica do sistema de saúde, visando melhorias no diagnóstico precoce. Uma medida importante, recomendada pela a Organização Mundial de Saúde e adotada na maioria dos países desenvolvidos é o exame mamográfico rotineiro.
“Na Europa Ocidental, isso é uma realidade. Nos países desenvolvidos de modo geral, o sistema de saúde encontra-se estruturado para realizar a mamografia, associada a exames diagnósticos, biópsia e tratamento dos casos diagnosticados em curto período de tempo e de uma maneira efetiva.”
Vieira lista outras ações que podem ajudar na prevenção do câncer de mama, como “aprimoramento do sistema de referências, mutirões, campanhas de controle de qualidade e divulgação de ações educativas sobre a importância da realização da mamografia após os 40 anos”.
Ao longo de quase 10 anos de esforços nesse sentido, o HCB viu uma melhora importante nas condições de diagnóstico das pacientes com câncer de mama atendidas em Barretos.
Nessa região, foi oferecido o exame de mamografia a mulheres assintomáticas, com idade entre 40 e 69 anos. Nessa população, a taxa de tumores precoces passou de 13% para 55% após a adoção do sistema de rastreamento mamográfico, “fato que nos faz considerar que podemos modificar nosso cenário de tumores avançados estimulando medidas preventivas”, conclui Vieira.
Roberta Adena
Ciência Hoje On-line