A importância do Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês), inaugurado no último sábado (22/08), vai muito além do seu tamanho. Com 325 metros de altura, a maior torre de pesquisas climáticas do mundo permitirá a expansão de pesquisas que tentam desvendar os mecanismos envolvidos nas interações entre a floresta amazônica e o clima regional e global – conhecimentos fundamentais para entender o papel da Amazônia nas mudanças climáticas em curso e, claro, o que podemos fazer para preservar a maior floresta tropical do mundo.
Fruto de uma parceria entre os governos do Brasil e da Alemanha, a torre foi instalada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, entre os municípios de São Sebastião do Uatamã (AM) e Itapiranga (AM), a cerca de 150 quilômetros de Manaus. A iniciativa conta com a participação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade do Estado do Amazonas e dos institutos alemães Max Planck de Química e de Biogeoquímica.
Os laboratórios e equipamentos previstos no projeto permitirão a ampliação de áreas de pesquisa de ponta em temas como a química da atmosfera. Os aparelhos vão medir trocas gasosas, detectar aerossóis e reações químicas, auxiliar no estudo da formação de chuvas e gerar dados sobre os processos de transporte de energia e matéria entre a floresta e a atmosfera. Enquanto torres menores monitoram algumas centenas de quilômetros na floresta, a Torre Alta poderá coletar dados a mais de 1.000 quilômetros de distância.
A Amazônia contém o maior reservatório de carbono entre os ecossistemas terrestres. Por absorver parte do dióxido de carbono em excesso na atmosfera, é vital para o equilíbrio atmosférico local e global. Estudos apontam que a mobilização de uma pequena fração do carbono acumulado na biomassa da floresta pode perturbar o ciclo do carbono no mundo todo. “A Amazônia armazena muitos bilhões de carbono em sua biomassa. Precisamos entender os processos que possam mobilizar este carbono para a atmosfera para estruturar políticas públicas consistentes e baseadas em ciência ao longo das próximas décadas”, afirma o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, que participou da elaboração e do desenvolvimento do projeto.
O clima na região amazônica é sensível a diversos fatores, como alterações nas chuvas e na incidência de radiação. Pela forte interação entre o bioma e o clima regional e global, o desafio é compreender como a atmosfera afeta a floresta – e vice-versa. “Além de monitorar as trocas de nutrientes entre a atmosfera e a vegetação, nosso objetivo a longo prazo é fazer inventários florestais permanentes e, em duas ou três décadas, avaliar os impactos das mudanças globais nos ecossistemas”, explica o climatologista Antonio Manzi, pesquisador do Inpa e coordenador brasileiro do projeto. “Estamos construindo um laboratório que é referência mundial nas relações entre florestas tropicais úmidas e o clima”, garante.
Desafios da floresta
Construir uma torre equivalente a um prédio de 80 andares não é exatamente uma tarefa trivial. A missão pode se tornar ainda mais complexa em um local isolado na floresta. “Precisávamos de um espaço sem grandes projetos de infraestrutura nos próximos anos para evitar interferências. Foram muitos desafios, desde atender aos requerimentos ambientais necessários até transportar os materiais para lá”, conta Manzi. O empreendimento enfrentou diversos desafios, como ter de construir uma estrada a toque de caixa em meio às dificuldades impostas pela natureza. “Foram 13km de estrada em uma região muito úmida, tínhamos um período muito curto do ano para trabalhar”, lembra o pesquisador. A obra, que não estava prevista no projeto inicial, atrasou os trabalhos em três anos.
Se torre impressiona, as articulações que permitiram sua construção não ficam atrás. São 100 pesquisadores diretamente envolvidos – metade do contingente é de brasileiros. A proposta inicial partiu dos alemães, que já haviam desenvolvido uma torre de monitoramento com 300 metros na Sibéria e desejavam replicar o projeto. A iniciativa veio em boa hora, já que os pesquisadores do Programa de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia (LBA) vinham discutindo a necessidade de complementar a rede de dez torres – entre 50 e 70 metros de altura – que operavam em várias regiões da Amazônia. “Observamos que precisávamos de uma torre para integrar os processos que controlam o fluxo de carbono por áreas maiores, para minimizar os efeitos locais de torres baixas”, justifica Artaxo.
Diante das possibilidades de pesquisa, o Brasil fez à Alemanha uma contraproposta que contemplava ambições maiores de pesquisa e despesas compartilhadas entre os dois governos. “A torre da Sibéria tem muito mais monitoramento do que ciência, a nossa é mais completa. Em parceria, conseguimos desenvolver um projeto equilibrado do ponto científico e financeiro”, acredita o coordenador do projeto. Embora já esteja coletando dados, a torre deverá atingir sua capacidade total de funcionamento em 2017. “Estamos no processo de planejar as futuras instalações e fazer as importações necessárias de equipamentos. Em 2016, já teremos muitas atividades em curso”, prevê Manzi.
Um bom começo
Para Artaxo, o projeto se soma aos esforços da comunidade científica nacional por um lugar de destaque nos estudos sobre funcionamento de ecossistemas e mudanças climáticas globais. Um passo importante, mas não definitivo para um país de proporções continentais e biodiversidade única. “Precisamos gerar conhecimento para as grandes questões, como a definição de estratégias efetivas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A base disso é ciência de qualidade, financiada adequadamente e com estabilidade ao longo de muitos anos ou décadas. O Brasil ainda investe muito pouco no desenvolvimento científico e tecnológico do país”, critica, lembrando que o país tem um grande número de pesquisadores que participam do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) e de fóruns globais.
Atualização (26/08/15):
Este texto foi modificado para corrigir o trecho “Com 325 metros de altura, a maior torre de pesquisas climáticas do mundo…”, no primeiro parágrafo. Anteriormente, lia-se “Com 325 metros de altura, a maior torre de observação climática do mundo…”. Além do Observatório de Torre Alta da Amazônia, existem outras torres maiores que não foram construídas para fins de pesquisa, mas também são utilizadas para monitoramento meteorológico e de concentração de gases.
Simone Evangelista
Especial para a CH On-line