Fibra coringa

Ela é empregada na redução do colesterol, na limpeza e cicatrização de ferimentos e até na confecção de tecidos. Agora, um estudo revelou que a quitosana, fibra encontrada na carapaça de crustáceos, pode se tornar ainda mais eficaz em uma de suas múltiplas aplicações: a despoluição de rios.

“Nós alteramos a composição da fibra, e isso aumentou o seu poder deextrair metais pesados e outros rejeitos industriais da água”

“Nós alteramos a composição da fibra, e isso aumentou o seu poder de extrair metais pesados e outros rejeitos industriais da água”, diz Elaine Cristina Lima, pesquisadora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Vale lembrar: entre os metais extraídos está o chumbo, que, além de ser nocivo ao meio ambiente quando em excesso, ainda pode causar câncer.

Mais barata do que os outros métodos e relativamente simples, a técnica de adsorção – que se diferencia da absorção por reter as partículas de resíduo industrial na superfície da fibra, e não no seu interior – tem outra vantagem: a quitosana usada pode ser separada do resíduo, por meio de um processo de filtragem, e reaproveitada.

“A quitosana em pó interage com os metais, formando um complexo. Ao fim do processo, só precisamos filtrar esse pó e, através de outras técnicas simples, podemos retirar o metal do biopolímero. Assim, o produto estará pronto para ser usado novamente”, explica a pesquisadora.

Produto seletivo

Quitosana, pesquisa
O professor Claudio Airoldi, orientador da pesquisa, e Elaine Cristina Lima, a autora, no Instituto de Química da Unicamp (foto: Antoninho Perri / Ascom / Unicamp).

A inovação deste estudo consiste em modificar quimicamente o biopolímero, aumentando sua capacidade de adsorção: “Usamos cloretos orgânicos para modificar a quitosana e aumentamos o número de grupos amino na sua cadeia polimérica, o que gera mais eficiência”, diz Elaine Cristina.

Além disso, ela destaca que, ao contrário do carvão ativado, que é largamente utilizado na adsorção, a quitosana modificada seleciona o que deve ser adsorvido.

“O carvão adsorve tudo o que estiver no meio, não separa só o que é rejeito. Além disso, seu preço varia de acordo com a qualidade, enquanto a quitosana mantém sua qualidade constante”, completa.

Com esta nova aplicação em seu vasto currículo, a fibra colabora em dobro com o meio ambiente: ao invés de irem para o lixo, os subprodutos da pesca têm mais uma razão para serem aproveitados. É que a quitosana é um biopolímero obtido da quitina, presente no exoesqueleto de lagostas, caranguejos e camarões.

“As cascas destes crustáceos são rejeitadas pela falta de conhecimento sobre tudo o que podemos fazer com a quitosana”, afirma a pesquisadora, lembrando que a fibra também pode ser extraída de fungos, moluscos e insetos.

“O contato com estes rejeitos pode causar desde doenças simples, como a diarreia, até o câncer”

Uma arma em potencial contra o lixo produzido pelas indústrias têxtil e metalúrgica e também pela atividade doméstica e agroindustrial, a quitina é o segundo polímero mais abundante na natureza, só perdendo para a celulose.

Durante o estudo, Elaine Cristina ainda testou o poder de adsorção da fibra no cobre, zinco, cádmio, níquel e cobalto, e obteve sucesso com todos estes metais. A aplicação do método fora do laboratório pode começar a partir do ano que vem.

“Além da questão do combate à poluição, trata-se de uma questão de saúde pública, pois o contato com esses rejeitos pode causar desde doenças simples, como a diarreia, até o câncer”, finaliza a pesquisadora.


Bruna Ventura

Ciência Hoje On-line