Física explica a bicicleta ideal


          

“Partiu Mengálvio, centra para Pelé, tabela com Coutinho, avança pela linha de fundo, cruza na área, Pelé, gooolll !! Uma bicicleta perfeita, uma jóia rara o gol de Pelé!”

null

Na bicicleta perfeita, o jogador chuta a bola no ar com as costas paralelas ao solo e executa um movimento de tesoura com as pernas antes do arremate

 

Para um torcedor comum esse lance é pura emoção. Não para o professor Marcos Duarte, da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP), que utilizou a biomecânica para explicar como Pelé conseguia realizar uma bicicleta perfeita (a biomecânica estuda sistemas biológicos a partir dos princípios da mecânica). Na bicicleta ideal, segundo Marcos Duarte, o atleta chuta a bola no ar com as costas totalmente paralelas ao solo e executa um movimento de tesoura com as pernas antes do arremate. “É o movimento mais espetacular do futebol.”

A bicicleta descrita no estudo não foi o lance de um jogo, e sim a cena de um documentário sobre Pelé filmado na década de 70. Marcos explica que a jogada é perfeita para a análise pois foi filmada por uma câmera paralela ao solo, o que evita erros de perspectiva.

A equipe da USP utilizou as leis de movimento de Isaac Newton , elaboradas no século 17, para explicar a perfeição do movimento. “Não se trata de uma meia bicicleta comum, mas de um lance raro”, explica Marcos Duarte. “Uma Ferrari.” A obra-prima de Pelé, com 0,8 segundo de duração, foi dividida em três partes no estudo.

A primeira é preparação do salto. Pelé fica de costas para a bola e seu centro de gravidade fica projetado um pouco atrás do pé de impulsão. Esse mecanismo permite que o jogador ganhe rotação e impulso para saltar em cambalhota.

A segunda parte — a mais importante — é a tesoura que Pelé dá no ar com suas pernas. Ele alça vôo e a perna que chutará a bola (a mesma que deu o impulso) fica colocada sob a outra perna, que se ergue até o alto no início do movimento. O jogador fica então completamente no ar e as pernas vão trocando de posição. Existe um conceito físico chamado inércia rotacional , que é a propriedade de um corpo resistir à mudança de seu movimento angular. Logo, para que se realize o elástico movimento do Rei, é preciso que essa inércia diminua. Pelé faz isso dobrando os joelhos e os aproximando do quadril.

Com esse movimento de tesoura, Pelé garante uma maior estabilidade para os segmentos tronco e cabeça e pode executar um chute mais forte sem perder o controle do movimento. “Mais do que a beleza plástica do movimento, a tesoura é um elemento chave da mecânica da bicicleta perfeita”, diz Marcos.

A terceira parte é o arremate, em que as pernas enfim trocam de posição e a do chute se estica completamente. Nesse momento parece que Pelé pára no ar, pois o tronco gira mais devagar que o resto do corpo e fica estabilizado pelo esticar dos braços — recurso adotado pelos malabaristas na corda bamba. Dadá Maravilha estava certo.

“Pelé não sabia de tudo isso”, frisa Marcos Duarte. “Nosso estudo é uma tentativa de mostrar como instinto e racionalidade caminham juntos no esporte; como ciência e arte são parceiras na mesma jogada.”

Entenda o movimento

Durante qualquer movimento no ar, a inércia rotacional e a velocidade angular de cada segmento do corpo podem mudar, mas o produto dessas duas grandezas (momento angular) é constante. Em uma bicicleta, o momento angular de cada perna é igual. A perna do chute tem uma velocidade maior do que a outra, mas se movimenta mais próxima do quadril e, por isso, tem uma inércia menor.

 

 

Assista a vídeos da bicicleta de Pelé:

Vídeo 1 (55 KB) – o chute propriamente dito
Vídeo 2 (110 KB) – movimento dos centros de massa do corpo do atleta
Vídeo 3 (49 KB) – movimento do esqueleto do atleta

Você vai precisar do software Real Player para visualizar os vídeos

 

 

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje on-line
13/08/02