Floresta seca, futuro quente

Se toda a Amazônia se comportar como os trechos de floresta que mais sofreram estresse hídrico durante a seca de 2005, a mata emitirá globalmente 900 milhões de toneladas anuais de carbono (foto: Peter van der Steen).


A floresta amazônica, que em condições normais atua de forma a frear o aquecimento global, pode ter esse papel invertido durante secas intensas. Um estudo multinacional detectou um aumento significativo na mortalidade de árvores durante a seca de 2005 — a mais severa na região em cem anos. Como consequência, a floresta passou de sorvedouro para fonte de dióxido de carbono, um gás de efeito-estufa responsável pelo aquecimento global.

O estudo, liderado pela Universidade de Leeds, na Inglaterra, tinha como objetivo analisar a vulnerabilidade da floresta à seca de 2005 e contou com a participação de 67 cientistas do Brasil e de outros 12 países, todos ligados a um consórcio internacional de pesquisa na Amazônia chamado Rainfor. Os resultados foram publicados esta semana na Science.

A equipe da Rainfor realiza o monitoramento constante de 136 áreas de floresta amazônica com um hectare cada. A partir da análise desses dados, os pesquisadores determinaram as 55 regiões que haviam sofrido mais estresse hídrico durante a seca e fizeram medições dos diâmetros das árvores desses trechos de mata.

“Comparando os dados obtidos na última medição com aqueles anteriores a 2005, concluímos que houve um aumento significativo na mortalidade de árvores naquelas áreas, bem como uma diminuição de crescimento das mesmas”, conta à CH On-line o biólogo Luiz Aragão, pesquisador da Universidade de Oxford (Inglaterra) e coautor do artigo.

Fonte de carbono
Até 2005, as medições apontavam que a Amazônia absorvia e armazenava em sua biomassa 450 milhões de toneladas de carbono por ano, resultado da diferença entre a fotossíntese e a respiração das árvores. Nas florestas não perturbadas, aliás, a taxa de crescimento vinha aumentando. “Esse valor compensaria as emissões causadas por desmatamentos e por outros distúrbios florestais — como queimadas —, que emitem valores similares de carbono aos que a floresta absorve”, compara Aragão.

A seca de 2005 na Amazônia, a mais intensa em 100 anos, aumentou a mortalidade das árvores e tornou a floresta mais vulnerável às queimadas (foto: Luiz Aragão).

Depois da seca, em decorrência do aumento na mortalidade das árvores, a floresta passou a emitir gás carbônico, em vez de absorvê-lo da atmosfera. Os cálculos do Rainfor apontam que, se a Amazônia se comportasse globalmente como as 55 áreas de floresta estudadas pelo grupo, ela emitiria 900 milhões de toneladas de carbono por ano – uma diferença de 1,35 bilhão de toneladas em relação ao fluxo atual.

“Esses 900 milhões de toneladas correspondem ao chamado carbono comprometido, vindo das árvores mortas em decomposição”, explica Aragão. Em circunstâncias normais, esse carbono seria liberado aos poucos, e não de uma só vez. No entanto, as árvores mortas servem como combustível para queimadas, que podem se tornar mais frequentes se houver mais períodos de seca.

Estima-se que, em períodos secos, as queimadas na região aumentem em 33%. “Mais queimadas acelerariam a emissão desse carbono comprometido na atmosfera, além de deixar a floresta mais vulnerável a queimadas subsequentes”, diz o biólogo.

Ciclo vicioso
A intensificação do aquecimento global não seria a única implicação dessa mudança nas trocas de carbono entre a floresta e a atmosfera. “Com a superfície terrestre mais quente, há mais probabilidade de haver secas na região amazônica”, explica Aragão. Com mais secas, mais carbono será emitido para a atmosfera, acelerando o aquecimento global e aumentando a possibilidade de queimadas. Com isso, a emissão de carbono para a atmosfera seria ainda maior e a floresta ficaria cada vez mais vulnerável.

O estudo também concluiu que as árvores de crescimento rápido — essenciais para a regeneração da floresta — são as mais atingidas pela mortalidade em épocas de seca. “Em longo prazo, portanto, outras secas vão comprometer a composição vegetal da Amazônia, com implicações também para a biodiversidade na floresta”, analisa Aragão.

Com o aumento das secas previsto para a Amazônia ainda para este século, a floresta pode se tornar definitivamente uma fonte de carbono. Nesse caso, será preciso rever os cálculos de metas globais de redução das emissões de gases do efeito-estufa, para compensar a perda desse importante sumidouro de carbono. Tudo isso destaca a importância de se manter a floresta em pé. “A redução do desmatamento e de queimadas seria uma boa contribuição para evitarmos o pior”, resume Aragão.

Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
05/03/2009