Fóssil de criança ajuda a entender a evolução humana

Um estudo recente traz pistas sobre o momento da evolução em que surgiu um aspecto que diferencia a espécie humana: o desenvolvimento tardio do cérebro. Nos bebês humanos, esse órgão se desenvolve ao longo da infância; já nos outros primatas, seu crescimento termina logo após o nascimento. Essa característica foi fundamental para o desenvolvimento das habilidades cognitivas que diferenciam nossa espécie.

Crânio de uma criança H. erectus encontrado em Mojokerto, Indonésia.
A região em laranja indica partes do fóssil preenchidas com sedimentos
(imagem: Instituto de Antropologia Evolutiva Max Planck)

 

 

 

 

 

 

 

 

O estudo de um fóssil de 1,8 milhão de anos por um grupo depesquisadores da França, Alemanha e Indonésia sugere que essa mudançapossivelmente aconteceu no ancestral comum do Homo sapiens e H. neanderthalensis . A equipe, coordenada por Hélène Coqueugniot, da Universidade deBordeaux, na França, analisou o crânio de uma criança H. erectus encontrado na Indonésia e concluiu que essa espécie não dispunha dascapacidades cognitivas que caracterizam os humanos modernos.

Análises detalhadas feitas por tomografia computadorizada e comparações com vários crânios de humanos atuais e chimpanzés revelam que, quando esse indivíduo morreu, com um ano de vida, tinha cerca de três quartos da capacidade cerebral de um Homo erectus adulto. Essas conclusões foram publicadas na Nature em 16 de setembro.

Esse modelo de crescimento cerebral se assemelha ao dos macacos atuais, mas é diferente do verificado entre os humanos. “Uma mãe gastaria muita energia para alimentar um bebê que tivesse um cérebro quase do tamanho de um adulto”, explica à CH On-line Jean-Jacques Hublin, um dos autores do estudo. “Como somos bípedes, precisamos ter uma bacia estreita, o que torna impossível o nascimento de bebês com cérebros grandes.”

A adaptação evolutiva para esse problema foi o surgimento de bebês com cérebros menores. “O cérebro humano se desenvolve com um certo atraso em comparação com outros órgãos”, conta Hublin. Na maioria dos primatas, o cérebro quase não cresce após o nascimento.

O atraso no desenvolvimento cerebral tem conseqüências sociais: os humanos modernos precisam do apoio dos pais durante mais tempo. Essa característica também permitiu o desenvolvimento de habilidades cognitivas mais sofisticadas. “É improvável que um hominídeo sem essa dependência pudesse ter desenvolvido uma linguagem complexa comparável com a dos humanos modernos”, afirma Hublin.

Grande parte do nosso desenvolvimento cerebral acontece depois que nascemos e muitas de nossas habilidades são formadas na primeira infância. Segundo Hublin, nosso cérebro é treinado para controlar o trato vocal e os músculos faciais nos primeiros anos de vida.

No H. erectus , o período de aprendizado era menor e o desenvolvimento de interações sociais e as atividades de aprendizado não delineavam as conexões cerebrais de modo comparável com humanos. “A dependência dos pais gerada pela necessidade de bebês com cérebro menor foi uma adaptação evolutiva que permitiu o desenvolvimento de habilidades cognitivas humanas”, conclui Hublin.

Eliana Pegorim
Ciência Hoje On-line
15/09/04