Competição é competição. Seja para um atleta oriundo de uma grande capital mundial, seja para um homem Tsimane, grupo indígena que vive na Amazônia boliviana.
Um estudo conduzido por pesquisadores das universidades da Califórnia, de Washington e do Novo México (todas nos Estados Unidos) ajuda a explicar a afirmação acima. A pesquisa mostrou que, mesmo um homem Tsimane, que possui nível médio de testosterona 33% menor do que um homem de uma cidade industrializada, tem significativo aumento do hormônio no corpo após uma partida de futebol. Tal aumento, que está relacionado com a melhora do desempenho em atividades físicas, é idêntico ao observado em representantes do mundo industrializado.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores mediram o nível de testosterona na saliva de 88 homens da etnia Tsimane, entre 16 e 69 anos, em três momentos: quinze minutos antes de um jogo de futebol, 10 minutos e uma hora depois da partida. Logo após o jogo, o nível de testosterona estava cerca de 30% maior e, uma hora depois, o aumento era de 15,5%.
A premissa do estudo, publicado no periódico Proceedings of the Royal Society B, levanta uma pergunta inicial que precisa ser respondida: se já foi compravado que um dos papéis da testosterona é aumentar rapidamente o desempenho muscular, não seria natural que os indígenas tivessem um índice alto do hormônio no corpo – afinal, esses homens são obrigados a caçar, cultivar alimentos, construir seus abrigos e fazer um sem-número de atividades manuais?
“Não é bem assim”, afirma à CH On-line o líder da pesquisa, o antropólogo estadunidense Ben Trumble, da Universidade de Washington.
“Muitos estudos já mostraram que, em ambientes como os dos Tsimane, com recursos limitados e alto risco de adoecer, é importante preservar o sistema imune”, diz Trumble. “Existe uma compensação do corpo, pois a ativação do sistema imune gasta bastante energia, cuidar da sobrevivência gasta muita energia. O corpo prefere direcionar energia para o sistema imune a usá-la em atividades associadas à testosterona.”
Além disso, segundo o antropólogo, há estudos com pássaros que sugerem que altos níveis de testorerona afetam, diretamente, o sistema imune. Em resumo: quanto maior é o perigo de doenças, mais precavido o corpo fica e menos energia desperdiça com a testosterona.
No mundo industrializado, explica o antropólogo, o perigo de se entrar em contato com patógenos é menor – e, caso haja algum problema, a farmácia está logo ali. Portanto, continua Trumble, é comum que o corpo se dê ao luxo de manter um alto índice de produção de testosterona e gastar mais energia.
O que os pesquisadores dos Estados Unidos dizem é que o corpo entende o futebol, mesmo que seja uma ‘pelada’ semanal indígena, como competição a sério – tal qual nossos ancestrais encaravam a batalha pela vida contra uma tribo rival. Vencer a competição seria o tipo de situação em que valeria a pena gastar a reserva de energia.
Outro dado curioso, segundo Trumble, é que os homens de países industrializados, depois de uma certa idade, enfrentam uma queda do nível de testosterona. Para ele, a hipótese mais provável é que o corpo do homem da grande cidade vai se preparando para as doenças do envelhecimento.
O Tsimane, por sua vez, não apresenta queda do hormônio na alta idade. A explicação dada pelo pesquisador não é conclusiva, mas aponta uma hipótese: “O Tsimane convive a vida toda com patógenos, com a pressão para ter o sistema imune sempre alerta, diferentemente dos homens industrializados, que sofrem mais pressão no sistema imune quando envelhecem; mas isso é apenas uma hipótese, nós ainda estamos trabalhando para ver por que essa variação ocorre no homem industrializado e não ocorre com esses indígenas”.
Trumble ainda defende que a relação entre competição e ‘explosão’ de testosterona é um aspecto inerente à biologia humana, mesmo em casos como o dos Tsimane, em que o desperdício de energia com o hormônio pode significar o comprometimento do sistema imune e o consequente adoecimento. A pesquisa serve para reafirmar a crença popular: o futebol – realmente – parece ser mais importante do que a vida ou a morte.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line