Talvez a partida de futebol entre Alemanha e Grécia tenha sido mais importante que a Rio+20. Pelo menos é o que deu a entender a chanceler alemã, Angela Merkel – que não compareceu à conferência, mas foi ao jogo.
Apesar das críticas, a agenda de prioridades de Merkel teve sua razão de ser. Aquele não era apenas um simples embate futebolístico; era um momento simbólico de convivência pacífica entre a Alemanha – a mais reluzente economia europeia – e a Grécia – o país mais castigado pela crise financeira que abala o velho continente.
Pois é: com uma crise dessas, quem é que tem tempo para discutir meio ambiente, não é mesmo? Sem contar, é claro, que os holofotes da política internacional estão voltados para as disfunções sociopolíticas que vêm se alastrando pelo Oriente Médio.
Segundo alguns, essas duas razões coadjuvantes podem ter, de certo modo, contribuído para que o documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável tenha sido tão pouco ambicioso.
“Documento insosso”
O documento-síntese da Rio+20, intitulado ‘O futuro que queremos’, é resultado de quase dois anos de trabalho diplomático; de intermináveis reuniões pelo mundo afora; e de dez exaustivos dias recheados de encontros no Rio de Janeiro. Foi batido o martelo na noite de sexta-feira (22/6).
São 53 páginas e 283 itens, acordados pelos mais de 190 países que marcaram presença na Rio+20. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon, mostrou-se satisfeito, afirmando que o documento é, de certa forma, “ambicioso”. Sua opinião foi compartilhada por muitas dezenas de representantes de Estado; mas rechaçada por outros.
O porta-voz da Suíça foi curto e grosso: “O documento que temos não é o documento de que precisamos. Não há nessas páginas nenhum compromisso concreto”. Ao contrário de todos os demais oradores, encerrou sua fala sem o diplomático e protocolar ‘obrigado’, sugerindo insatisfação não só política, como também pessoal.
O primeiro-ministro do Senegal também não gostou. “Não é uma carta de intenções que garantirá a ‘economia verde’”, afirmou, referindo-se ao fato de não haver qualquer cláusula vinculante no documento. Para o vice-presidente para as Américas da Conservação Internacional, Fabio Scarano, “a Rio+20 resultou em mais um documento insosso, medroso nas intenções, sem metas e sem dinheiro”.
Em nota divulgada na mesma noite, o Greenpeace canalizou o desânimo de boa parte da sociedade civil organizada. “O documento final é desprovido de ambição, metas e datas; é o típico texto que todo governo exalta, pois não exige nenhum compromisso.”
E a comunidade científica, o que achou? “Não esperávamos muito de nossos governos, portanto, a frustração já era prevista”, disse o presidente do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), o taiwanês Yuan Lee. Laureado com o Nobel de química de 1986, o cientista disse, em entrevista exclusiva à CH On-line, que “o problema não é necessariamente o diálogo entre políticos e cientistas, mas sim entre políticos e políticos”. Estes, segundo ele, têm uma péssima tendência a pensar somente no curto prazo – o prazo eleitoral.
Um dos temas candentes da conferência era a personalidade institucional do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Alguns blocos de países, liderados pela União Europeia, apoiavam a transformação do órgão em uma agência com poder deliberativo – e não apenas consultivo, como é atualmente. O que não aconteceu. Decidiu-se, sim, fortalecer o Pnuma, mas nenhuma passagem do documento dá a ele um status diferente do atual.
Fundo global para gerir danos causados por eventos climáticos? Transferência de recursos de nações desenvolvidas para países em desenvolvimento para compartilhar os desafios socioambientais vindouros? Políticas globais para domar as dinâmicas de produção e consumo? Estratégias de demografia e distribuição de renda? Nada.
Mas deve haver um lado bom
Apesar do clima de frustração, nem tudo são mágoas. O engenheiro Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, reconhece que o grande mérito da Rio+20 não foi sua dimensão oficial, mas sim a interação entre milhares de pessoas – indivíduos, organizações não-governamentais e até o setor privado – nos eventos paralelos.
Mesmo pelos corredores e salas do Riocentro, local do evento oficial, alguns encontros inspiraram até os mais pessimistas. O Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco da América – instituições demonizadas pelo movimento verde – ensaiaram acordos para acelerar investimentos em energia limpa.
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável também marcou presença. A instituição reúne as maiores corporações do Brasil, e na pauta das discussões estavam itens como fim do desmatamento, reciclagem e energias limpas. Nada formal, porém. Apenas acordos de cavalheiros – um bom começo, quem sabe.
E, por falar em começo, ficou estabelecido que, até 2014, todos os países signatários do documento resultante da Rio+20 deverão apresentar suas propostas para atingir objetivos relativos ao desenvolvimento sustentável. Ideia vaga. Mas, para alguns, sinaliza avanço.
Pelos corredores do Riocentro, os comentários eram pragmáticos. “É a sociedade civil quem deve se engajar na mudança que queremos ver”, era o que se ouvia por lá. Pesquisa da Hello Research, porém, demonstrou que 72% dos brasileiros, uma semana antes da Rio+20, não sabia do que se tratava a conferência.
No final das contas
Deixando de lado os ‘compromissos’ assumidos pelos governos ou corporações, provavelmente o maior mérito da Rio+20 tenha sido manter em pauta um assunto urgente: a relação entre sociedade e natureza.
Se, pelos idos de 1972, na conferência de Estocolmo (Suécia), o assunto era novidade, hoje já não se tem mais dúvidas de que ele merece toda a atenção. Tanto é que, segundo o diplomata brasileiro Laudemar Aguiar, responsável pela logística da conferência, “a Rio+20 foi provavelmente o maior evento já realizado pela ONU”.
Nada menos que 45.831 pessoas circularam pelo Riocentro ao longo dos dez dias da conferência. Enquanto na Arena Gdańsk, palco do jogo entre Alemanha e Grécia, contabilizando a presença de Angela Merkel, o público totalizou 38.751 torcedores.
A propósito, o placar foi de 4 a 2 para os alemães.
Henrique Kugler
Ciência Hoje/ RJ