Aguardente de cana em embalagens PET de 2L: sem extrato de carvalho, com 20, 40 e 60mL de extrato de carvalho por litro (da esquerda para a direita).
A boa e velha cachaça não precisa mais passar quatro anos dentro de barris de madeira para ficar do jeito que os consumidores gostam. O engenheiro agrônomo Flávio Forlin, em estudo feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conseguiu reduzir o tempo de envelhecimento da aguardente de cana para um ano, ao armazená-la em garrafas de plástico, geralmente usadas como embalagens de água mineral. De acordo com o pesquisador, o novo método não altera as características sensoriais da bebida e pode ser mais econômico do que o tradicional.
Normalmente, é durante o envelhecimento nos tonéis de madeira que a cachaça adquire seu estado final. Nesse período, que nunca dura menos de quatro anos, parte do álcool da bebida evapora através da madeira, enquanto seu sabor, aroma e cor vão sendo apurados.
Em busca de uma alternativa para a maturação da aguardente, Forlin decidiu trabalhar com as garrafas de refrigerante e água mineral, em função da permeabilidade e da inocuidade do material com que são feitas – o polietileno tereftalato, cuja sigla PET se tornou sinônimo dessas embalagens. “O PET apresenta uma porosidade seletiva”, explica o engenheiro agrônomo “Ao mesmo tempo em que facilita a oxigenação da aguardente, preserva as suas características sensoriais.”
O envelhecimento é a última – e mais longa – etapa da produção da cachaça. Tudo começa com a moagem da cana. O caldo resultante (mosto) é fermentado por leveduras que convertem seu açúcar em álcool e outros compostos. Depois disso, é feita a destilação da bebida, geralmente em alambiques de cobre. Só então a aguardente é colocada nos tonéis de madeira para que seu sabor, aroma e cor sejam apurados.
Ele acondicionou a cachaça recém-destilada em garrafas PET de água e adicionou ao líquido um extrato macerado de carvalho, madeira com a qual se fabrica grande parte dos tonéis no Brasil. O extrato composto por partículas microscópicas de carvalho foi crucial para a manutenção das qualidades da aguardente, já que estas, no processo tradicional, são determinadas pela madeira que constitui o tonel.
Ao todo, foram realizados 72 tratamentos do líquido, em garrafas de três volumes diferentes (250 mL, 2 L e 20 L). Um ano depois, as características físico-químicas e sensoriais da bebida foram comparadas com os da aguardente maturada tradicionalmente. Os resultados mostram índices de aceitação global bastante semelhantes.
O novo método pode ser capaz de reduzir os custos da produção da cachaça no Brasil não apenas por causa da diminuição de seu tempo, mas também pela utilização mais racional da madeira. “Para construir um barril, usa-se somente o cerne de árvores com idade superior a 30 anos”, compara Forlin. “Já o extrato, por ser triturado, aproveita todas as suas partes.”
Além disso, o pesquisador vê em seu estudo uma forma de valorização de madeiras nacionais com excelentes propriedades sensoriais, mas que não possuem as características necessárias para serem transformadas em tonéis. “A maioria dos barris ainda é feita de carvalho, que é importado de países da América do Norte ou da Europa”, destaca.
A pesquisa de Forlin faz parte de sua tese de doutorado em Engenharia de Alimentos, defendida em maio na Unicamp. Para aprimorar os resultados, é preciso otimizar as características do PET especificamente para a maturação da cachaça e testar combinações com extratos de outras madeiras. Assim, seria possível chegar ao ‘arredondamento’ perfeito de seu sabor e aroma, como dizem os apreciadores. Resta saber a reação dos mais conservadores ao novo processo.
Para mais detalhes, entre em contato
com Flávio Forlin ( [email protected] )
Lia Brum
Ciência Hoje On-line
25/10/05