Gêmea mais velha

O nosso Sol pode ser especial para nós terráqueos, mas semelhante a ele existem diversas outras estrelas pelo universo, as chamadas gêmeas solares. Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado na procura por essas estrelas, que ajudam a compreender a evolução do nosso astro rei. Das cerca de 20 gêmeas já detectadas, seis foram identificadas por pesquisadores de universidades nacionais. A mais recente descoberta, anunciada hoje, é também a mais velha da lista, com 8,2 bilhões de anos, quase o dobro da idade do Sol.

Batizada de HIP 102152, a nova gêmea solar fica na direção da constelação de Capricórnio, a 250 anos-luz de distância da Terra. Foi identificada por astrônomos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a partir de dados do telescópio VLT (sigla, em inglês, de Very Large Telescope), do Observatório Europeu do Sul (ESO). 

As gêmeas solares funcionam como um espelho do passado e do futuro do Sol

As gêmeas solares funcionam como um espelho do passado e do futuro do Sol. Por terem massa e composição química semelhantes as do nosso astro rei, servem de exemplo de como ele foi e será. Quanto mais estrelas gêmeas conhecidas de diferentes idades, mais completa é essa linha do tempo. 

Por ser a mais velha gêmea solar descoberta, a HIP 102152 preenche uma lacuna importante na evolução de estrelas como o Sol. Até a sua descoberta, a mais velha gêmea conhecida era a CoRot Sol 1, com 6,7 bilhões de anos, e a caçula, a 18 Scorpii, com 2,9 bilhões de anos – ambas identificadas por brasileiros. (A CH de julho abordou a descoberta da CoRot Sol 1. O texto está disponível para assinantes do Acervo Digital)

Linha do tempo
A ilustração mostra a posição da nova gêmea e das demais já descobertas em relação ao Sol na linha do tempo evolutiva. (imagem: Jorge Melendez)

“A HIP 102152 gêmea é muito mais velha que o Sol e representa um passo avançado na linha evolutiva solar”, diz o astrofísico José Dias do Nascimento, da UFRN.  “Estudar as características dessa estrela é estudar como vai ser o nosso Sol daqui a bilhões de anos.” 

A HIP 102152 caminha para o terço final de sua vida, que, assim como o Sol, deve terminar por volta dos 13 bilhões de anos, quando se tornará uma anã-branca.
 

Prova da idade

O estudo da nova estrela também ajudou os astrônomos a confirmar a correlação entre a quantidade de lítio nas gêmeas solares e sua idade. O lítio foi criado durante o Big Bang, junto com o hidrogênio e o hélio, e há anos os astrônomos tentam compreender por que algumas estrelas têm menos quantidade desse elemento que outras.

A teoria mais aceita, e agora fortalecida, era de que a quantidade de lítio diminui conforme a estrela envelhece. Isso aconteceria porque os processos de combustão na estrela, que aumentam com o tempo, consumiriam o elemento. 

“A HIP 102152 apresenta níveis muito baixos de lítio, o que demonstra claramente que as gêmeas solares mais velhas têm efetivamente menos lítio do que o nosso Sol ou estrelas gêmeas solares mais novas”, pontua a astrônoma Tala Wanda Monroe, da USP. “Agora temos mais provas de que as estrelas, à medida que envelhecem, perdem lítio.”

Em busca de planetas

O estudo da gêmea solar revelou ainda a possibilidade de que a estrela abrigue planetas rochosos como a Terra. As análises da constituição da HIP 102152 revelaram pouca quantidade de elementos chamados refratários. Esses elementos também são escassos no nosso Sol e, por outro lado, abundantes em planetas rochosos. 

O estudo revelou a possibilidade de que a estrela abrigue planetas rochosos como a Terra

O astrônomo Jorge Melendez, da USP, acredita que esses elementos estariam em falta na gêmea solar e no nosso Sol porque foram ‘perdidos’ para planetas durante o processo de formação destes. 

“Ainda são necessários mais estudos para afirmar, mas esse é um forte indício de que a HIP 102152 pode abrigar planetas rochosos”, diz o pesquisador. “Continuaremos nossos estudos para esclarecer essa questão e encontrar novas gêmeas, de todas as idades, para cobrir bem o passado e o futuro do Sol.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line