Genes esquizofrênicos

 

Determinados genes do DNA humano se expressam de forma diferente em cérebros de pacientes com esquizofrenia. A conclusão é de uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), que encontrou resultados inéditos sobre essa doença, cujas causas ainda são misteriosas para a medicina. As divergências de expressão gênica entre esquizofrênicos e pessoas saudáveis podem contribuir para uma compreensão melhor da ação da esquizofrenia no organismo e o desenvolvimento de novos medicamentos contra a doença.

O mapeamento dos genes de cérebros esquizofrênicos e saudáveis foi feito por meio de um equipamento chamado seqüenciador de DNA (ao fundo) e de um programa de computador que faz a leitura dos dados. (Foto: Julio Vilela).

A esquizofrenia atinge cerca de 1% da população mundial e resulta na fragmentação dos processos de pensamento, que compromete a capacidade humana de cognição. Seus principais sintomas são alucinações, delírios, apatia e perda de contato com a realidade, o que dificulta a integração social do esquizofrênico. Também ocorrem disfunções no sistema dopaminérgico, que produz a dopamina (substância responsável pela comunicação entre os neurônios).

Diversas teorias científicas tentam explicar a origem da esquizofrenia: fatores genéticos, disfunções no sistema nervoso central, infecções ou traumas maternos durante a gestação e problemas psicológicos ou familiares seriam causas possíveis. “Sabemos que a probabilidade de o indivíduo ser esquizofrênico aumenta se houver um caso na família, o que reforça o papel da genética no desenvolvimento da doença”, diz a orientadora da pesquisa, a bióloga Elida Benquique Ojopi, do Laboratório de Neurociências da Faculdade de Medicina da USP. Mas ela ressalta que os casos familiares são raros e, na maioria das vezes, isolados em uma família.

A pesquisadora explica que vários genes podem estar associados à doença e eles podem se expressar ou não. “Nem todo indivíduo com esquizofrenia precisa ter necessariamente o mesmo grupo de genes alterados. Existe provavelmente um conjunto de genes potencialmente envolvidos na doença.“

O estudo da equipe da USP tenta provar que a ativação de alguns genes e a desativação de outros são determinantes no desenvolvimento da doença. Os cientistas compararam então o RNA de cérebros saudáveis ao de pacientes esquizofrênicos para observar a expressão gênica nos dois casos.

Para o mapeamento dos genes, foi usada uma técnica inédita em estudos de esquizofrenia chamada SAGE ( Serial Analysis of Gene Expression, na sigla em inglês), capaz de examinar todos os genes do RNA humano (aproximadamente 25 mil). Foram selecionados 160 genes, por apresentarem as diferenças mais significativas entre os cérebros normais e esquizofrênicos.

Os cientistas então mapearam dez genes no córtex pré-frontal, frontal e temporal dos cérebros e verificaram que seis deles se expressavam de forma totalmente diferente em cada grupo, o que revelou o papel decisivo da genética no desenvolvimento da doença. “Percebemos a diminuição da expressão de vários genes nas amostras de esquizofrênicos, principalmente no córtex pré-frontal. A maioria dos genes que observamos estava relacionada à produção de substâncias que atuam na comunicação entre os neurônios, processo chamado de sinapse, ou ao neurodesenvolvimento”, esclarece a pesquisadora.

Ojopi alerta para a dificuldade de obter amostras de tecidos cerebrais para um estudo mais profundo da esquizofrenia. “Além do consentimento da família para a doação do órgão, é preciso coletar o RNA do indivíduo, que se degrada muito rápido, cerca de seis horas após sua morte”, diz a pesquisadora, que conseguiu amostras de cérebro do Instituto Central de Saúde Mental de Mannheim, na Alemanha.

Para Ojopi, os resultados do estudo podem ajudar no desenvolvimento de terapias que combatam a esquizofrenia de forma mais eficaz, por exemplo, por meio da reposição de substâncias ausentes nos indivíduos afetados. “Identificamos alguns genes que nunca haviam sido estudados em relação à esquizofrenia e que podem ter um papel importante no tratamento dessa patologia”, destaca. E conclui: “Pacientes com essa doença podem ter uma vida produtiva, como o matemático americano John Nash, que teve contribuições importantes para os estudos de economia, biologia e teoria dos jogos.”

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
07/01/2008