Genética no cardápio

Durante uma consulta, o nutricionista solicita ao paciente testes genéticos. Com o resultado em mãos, avalia como os alimentos modificam a expressão dos genes ali descritos e como o genoma coordena a resposta do seu organismo ao que come. Com base nessa análise, o profissional determina cada item que irá compor o cardápio do paciente.

O cenário fictício descrito configura, de fato, o objetivo da nutrigenética e nutrigenômica, campos de pesquisa que buscam criar dietas exclusivas de acordo com o mapeamento genético de cada um.

Aqui, conhecer os genes associados a doenças não chega a situações extremas como o caso da atriz Angelina Jolie, mas possibilita a prevenção de problemas futuros por meio de uma alimentação construída com base na singularidade genética.

De acordo com o nutricionista e educador físico Ricardo Zanuto, os estudos nessas áreas ainda estão em fase inicial, mas a grande aposta dos pesquisadores é a prevenção de doenças como câncer, diabetes e problemas cardiovasculares.

Em entrevista à CH On-line, Zanuto apresenta a nutrigenética e a nutrigenômica e explica como os dados impressos em nossos genes podem ser usados para prevenir no lugar de remediar.

CH On-line: O que é nutrigenômica e nutrigenética? Quais são as principais diferenças entre os dois conceitos?
Ricardo ZanutoRicardo Zanuto
: A nutrigenômica é a ciência que avalia a interação dos nutrientes no genoma humano. Entendendo como esse sistema funciona, é possível melhorar a saúde e prevenir doenças. Já a nutrigenética tem como objetivo entender como a composição genética de um indivíduo coordena e modifica a resposta aos nutrientes e compostos bioativos, determinando se aquela carga genética o torna mais suscetível ao desenvolvimento de doenças como câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, entre outras. Em longo prazo, ambas as áreas proporcionarão a melhora da saúde e a prevenção de doenças, visto que os nutrientes modulam a expressão gênica, assim como variações no gene influenciam na maneira que respondemos à alimentação.

Quais são as possíveis aplicações dos conceitos dessas áreas?
A nutrigenética e a nutrigenômica podem fornecer ferramentas fundamentais para que especialistas estabeleçam intervenções nutricionais personalizadas, o que pode reduzir o risco de doenças. Associadas a outros fatores como atividade física, por exemplo, podem levar a uma sensível melhora da qualidade de vida.

Como e quando surgiram esses campos de estudo?
A partir de 2005, quando o sequenciamento do genoma humano ficou completo, o novo desafio da ciência tornou-se entender como a função dos genes é alterada por fatores ambientais. Entre esses está a alimentação, visto que a exposição de nossos genes à ação de compostos ativos dos alimentos exerce grande influência não apenas no tratamento de doenças, mas também no aumento do desempenho esportivo. Existem três fatores centrais que sustentam a genômica nutricional como uma ciência importante. Primeiro, a grande diversidade genética entre diferentes grupos étnicos e indivíduos que afeta a biodisponibilidade dos nutrientes e o metabolismo destes. Segundo, de acordo com as diferenças culturais, econômicas, geográficas e até mesmo de gosto, cada indivíduo difere muito em suas escolhas por alimentos e nutrientes. Terceiro, a carência ou excesso de determinado nutriente pode afetar a expressão gênica e a estabilidade do genoma e, consequentemente, levar à presença de mutações no gene ou à sequência de nível cromossômico que pode cursar com a expressão gênica anormal.

O senhor pode destacar pesquisas brasileiras feitas na área de nutrigenômica e nutrigenética?

Há expectativas de que, em pouco tempo, poderemos identificar com exatidão todos os genes que acarretam as doenças crônicas não transmissíveis e sua relação com os nutrientes, utilizando-os para prevenção

Nesse momento há dezenas de estudos – talvez centenas – sendo desenvolvidos em todo o país. Seria muito difícil citar todos ou então destacar algum desses trabalhos como mais promissor ou de maior relevância. Em universidades como a Universidade de São Paulo e a Universidade Estadual de Campinas há pesquisas que estudam desde a obesidade até o impacto da nutrição no período de gestação sobre as crianças. Há expectativas de que, em pouco tempo, poderemos identificar com exatidão todos os genes que acarretam as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e sua relação com os nutrientes, utilizando-os para prevenção.

Quais são os testes feitos para construir a dieta ideal de acordo com essas ciências? Eles são caros? O Brasil possui a tecnologia necessária para fazê-los?
São realizados testes de DNA a partir de material colhido da mucosa oral. Sim, os testes necessários para elaboração desse tipo de dieta ainda são muito caros e falta investimento e incentivo do governo para que isso seja acessível na saúde pública. Mas, apesar desse tipo de tecnologia não estar ainda disponível para o benefício de toda a população, existem laboratórios de pesquisas que possuem o equipamento e profissionais capacitados para realizar os tipos de exames que dariam origem a uma dieta com características nutrigenômicas, ainda que experimental.
 
Muitas doenças não são causadas apenas por alterações genéticas, mas por um conjunto de aspectos como, por exemplo, alterações ambientais e psicológicas. Como o profissional que trabalha com a genômica nutricional age ao considerar esses fatores externos?
Como você bem disse, há fatores externos que contribuem para o desenvolvimento das DCNTs que não a alimentação. Talvez, não hoje, mas em um futuro bem próximo, a principal característica de um profissional que trabalhe com a nutrigenômica/nutrigenética seja analisar as doenças com mais probabilidade de desenvolvimento pela predisposição genética e, amparado por um especialista médico específico (neurologista ou cardiologista, por exemplo), dar ao paciente a combinação de prevenção clínica com uma rotina de hábitos saudáveis e alimentação direcionados para diminuir as chances do desenvolvimento da doença. Me agrada muito o cenário onde um paciente vai regularmente ao médico, consulta-se com um nutricionista e adere a uma rotina de atividades físicas, não para se curar de um mal, mas sim para se manter sempre saudável.