Genômica no consultório

Radiografia, eletrocardiograma, tomografia, ressonância magnética. Apesar das variações nos custos e das limitações dos sistemas de saúde, todos esses exames são, hoje, relativamente comuns e acessíveis e também fundamentais no tratamento de doenças. Passada mais de uma década do sequenciamento do genoma humano, a genômica poderá, em breve, fazer parte desse rol. O diagnóstico é do geneticista Sergio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo laboratório já realiza exames clínicos com uma técnica pioneira – prática que, segundo ele, poderá modificar muito o tratamento de doenças genéticas. 

O potencial de iminente aplicação clínica da genômica deve-se, em grande parte, à evolução das técnicas de sequenciamento genético

O potencial de iminente aplicação clínica da genômica deve-se, em grande parte, à evolução das técnicas de sequenciamento genético. O primeiro rascunho do genoma humano levou 11 anos e custou mais de 2 bilhões de dólares para ser realizado. Hoje, o trabalho pode ser feito em uma semana, por alguns milhares de dólares. “A perspectiva é que cheguemos a um custo de mil dólares em pouco tempo, mesma faixa de preço de exames como a ressonância magnética, o que abre as portas para uma aplicação clínica ampla de técnicas genéticas de diagnóstico”, defende o geneticista.  

Um bom exemplo é a iniciativa desenvolvida pela equipe do próprio Pena, em parceria com o Hospital das Clínicas da UFMG. O grupo analisa a sequência de regiões expressas do DNA, o exoma, de amostras de pacientes com algum problema genético, mas que não tenham sido diagnosticados pelo hospital. “Para o diagnóstico das doenças monogênicas [associadas a mutações num único gene], estamos interessados justamente no conjunto dos genes expressos, que o exoma nos dá”, explica o geneticista.

O trabalho do Laboratório de Genômica Clínica, criado há pouco mais de um ano, foi apresentado no simpósio ‘Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe 2012’, promovido pela Academia Brasileira de Ciências na semana passada, no Rio de Janeiro. No momento, o centro atua na análise dos exomas de dez famílias, com casos que incluem síndromes novas e casos variantes das síndromes de Leigh e de Marfan.

Montadoras e o faro clínico

Por opção de Pena, o sequenciamento do exoma é feito pelo Hospital for Sick Children, da Universidade de Toronto, no Canadá. O geneticista acredita que, para fins clínicos, realizar esse trabalho no Brasil será sempre mais caro e menos eficiente do que em centros especializados no exterior. “A curto prazo, não há interesse de laboratórios particulares na área e as universidades não podem atender à clínica de forma ampla, pois têm como compromisso primordial a pesquisa, além de problemas como greves e questões estruturais”, explica. “Além disso, a atividade é tão trivial e automática que não vejo vantagem em investirmos nisso.”

montadora de carros
Para Pena, a tarefa mecânica de obter o exoma dos pacientes deverá ser realizada fora do Brasil. O país deveria investir no trabalho mais complexo de interpretá-lo, assim como uma montadora de carros tem como foco seu projeto e sua montagem, tarefas com maior valor agregado do que a fabricação de cada peça separadamente. (foto: Flickr/ harry_nl – CC BY-NC-SA 2.0)

Para ele, o país deveria destinar mais esforços ao trabalho de interpretação e análise dos dados brutos apresentados no exoma, que exige conhecimento médico e científico avançado sobre doenças genéticas e boa capacidade de processamento de bioinformática. “Pense numa montadora de automóveis: seu know-how não está na fabricação do vidro ou do pneu, mas no desenvolvimento do projeto e na capacidade de montar um produto complexo com todas as peças”, explica. “A tecnologia pode permitir a obtenção de um genoma de mil dólares, mas sua interpretação correta vale centenas de milhares”, avalia.

Sendo assim, Pena vê como fundamental a simplificação das interfaces requeridas pela análise computacional do exoma sequenciado. Seu grupo tem investido, por exemplo, na criação de novos softwares especializados e mais amigáveis. “Minha ideia de bioinformática não é de um operador usando Linux e trabalhando com linhas de comando”, pondera, “mas de um médico utilizando o Windows e ícones intuitivos, aliados ao seu faro clínico, para estudar os resultados”.

Menos custos, mais caminhos

Entre as muitas possibilidades abertas pelo emprego da genômica na clínica médica, o geneticista destaca a capacidade de aprimorar estratégias terapêuticas e de aconselhamento genético, além da obtenção de prognósticos de evolução de patologias mais precisos. A prática pode, ainda, aumentar o entendimento sobre a patogênese das doenças e trazer informações preciosas a respeito de suas manifestações em quadros clínicos únicos.

Ressonância
Exames como ressonâncias magnéticas, tomografias e raios X são relativamente comuns, acessíveis e fundamentais no tratamento de doenças. Em poucos anos, Pena acredita que testes genômicos mais baratos e acessíveis também poderão ser utilizados de forma mais ampla na clínica médica. (foto: Flickr/ CaptPiper – CC BY-NC 2.0)

Em termos de custo, a análise do exoma representaria uma boa economia. Os diagnósticos genéticos mais comuns são baseados na testagem individual da estrutura de cada gene possivelmente associado a doenças – um método mais preciso, mas trabalhoso e caro, já que a mesma doença monogênica pode se relacionar a diversos genes, dependendo do paciente. Por essa técnica, a análise da expressão de cada gene custa cerca de 1,5 mil dólares, o mesmo que o sequenciamento do exoma completo, que abrange todos os mais de 20 mil genes do ser humano. 

“Será possível descobrir as mutações associadas a cada caso sem gastar uma fortuna com intermináveis testes genéticos”

“O mais importante é que esses avanços se traduzam num serviço que gere um retorno para o paciente”, avalia. “Imagine a quantidade de informações disponíveis sobre as manifestações individuais de cada doença; será possível descobrir as mutações associadas a cada caso sem gastar uma fortuna com intermináveis testes genéticos.”

Mesmo se tratando ainda de uma iniciativa de pequeno porte, Pena prevê que a disseminação do tipo de abordagem usada em seu laboratório possa se tornar realidade em poucos anos. E acredita que poderá ser ainda mais benéfico se conjugado com uma aproximação entre geneticistas e clínicos. “No início, creio que os pacientes serão encaminhados a um geneticista para o diagnóstico”, avalia. “Porém, com interfaces de bioinformática mais simples, que facilitem o acesso aos resultados, será fundamental que haja esse movimento de aproximação, para que clínicos e geneticistas possam discutir conjuntamente o diagnóstico e o tratamento dos pacientes.


Marcelo Garcia

Ciência Hoje On-line