Gordurinha que pode salvar vidas

O tecido adiposo é fonte de células-tronco mesenquimais, que, estimuladas hormonalmente em laboratório, podem se diferenciar em alguns tipos de células maduras com funções especializadas. (Crédito: Leandra Baptista/ UFRJ)

Quem diria que a sua barriguinha poderia servir para regenerar vasos sangüíneos e tecidos musculares? O tecido adiposo, ricamente vascularizado, é também fonte de células-tronco mesenquimais, capazes de se diferenciar em alguns tipos de células maduras com funções especializadas. O estudo, feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abre a possibilidade do uso dessas células para regenerar tecidos conjuntivos e vasos sangüíneos. Essa terapia, que já está em fase de testes clínicos, pode ser uma das saídas para casos de infarto e necrose provocada pela falta de circulação.

Segundo o biólogo Radovan Borojevic, que coordena os estudos de terapias celulares do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFRJ, já se previa a existência de células-tronco no tecido adiposo. “Essas células podem ser encontradas em tecidos que são muito irrigados, com muitos vasos capilares sangüíneos”, diz.

As células-tronco do tecido adiposo, assim como as da medula, não são especializadas e, se estimuladas hormonalmente em laboratório, podem se transformar em qualquer tipo de célula. No caso das células da gordura, há uma tendência maior de que elas se tornem vasos sangüíneos, devido à sua localização. Já as da medula tendem a se tornar osteoblastos, ou seja, tecido ósseo.

O uso dessas células seria abrangente. Poderia inclusive ser uma alternativa para casos de necrose de membros inferiores provocados pelo diabetes. “Hoje, muitas vezes o paciente tem que amputar dedos e pernas devido aos problemas de circulação”, lembra o biólogo. Segundo ele, as células-tronco da gordura poderiam ser utilizadas para regenerar os vasos sangüíneos afetados tanto em casos de necrose como nos de infarto, em que o entupimento das artérias dificulta a irrigação do coração.

Borojevic destaca que, se comparado ao procedimento de retirada das células-tronco da medula, que exige punções nos ossos da bacia, o uso das células vindas do tecido adiposo é mais viável e prático para o paciente. Descartado em lipoaspirações, o material usado na pesquisa foi cedido pelo Departamento de Cirurgia Plástica e Reparadora do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ. As células são lavadas e cultivadas nos laboratórios da empresa Excellion Serviços Biomédicos Ltda., em Petrópolis (RJ).

As células-tronco do tecido adiposo já foram testadas com sucesso em terapias para cavalos e agora estão sendo feitos testes que permitirão o uso em humanos. A pesquisa, coordenada pela Professora Maria Isabel Rossi, do Departamento de Histologia e Embriologia do ICB/UFRJ, e pelo médico César Cláudio da Silva, da Faculdade de Medicina da UFRJ, aponta para um futuro em que a terapia celular será acessível a todos. “São formas mais simples e rápidas de tratar pacientes que hoje só têm como alternativa o transplante”, explica Borojevic. E completa: “Além disso, a terapia celular é menos invasiva e, ao usar células do próprio paciente, não há risco de rejeição.”

O pesquisador ressalta que as células purificadas do lipoaspirado podem ser congeladas e preservadas para uso futuro. Entretanto, não recomenda fazer lipoaspirações apenas para montar um ‘banco’ de células-tronco. “Esse procedimento ainda é caro, porque precisamos cultivar e expandir as células, para só depois congelá-las. Por isso, não recomendo uma cirurgia para retirá-las sem motivo.” Mas ele pondera: “Se a lipoaspiração já for um procedimento necessário, por que não guardar o material? Todos querem se livrar da gordura mesmo!”

Fernanda Alves
Ciência Hoje On-line
01/10/2007