Sem dúvida alguma, hoje foi um dia de gala para a ciência do Brasil. Nesta quarta-feira (13/08), na abertura do 27º Congresso Internacional de Matemáticos, em Seul, na Coreia do Sul, um matemático carioca recebeu uma das maiores condecorações já obtidas por nossa ciência: a medalha Fields, considerada uma espécie de prêmio Nobel da matemática, foi entregue a Artur Ávila, jovem pesquisador de 35 anos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Ele se tornou o primeiro sul-americano a receber a láurea, um prêmio que reflete décadas de crescimento de nossa matemática.
A medalha Fields foi concedida a Ávila por suas “notáveis contribuições no campo dos sistemas dinâmicos, análise e outras áreas, em muitos casos provando resultados decisivos que resolveram problemas há muito tempo em aberto”, como descreve o comunicado oficial da União Internacional de Matemática (IMU), que concedeu o prêmio. O documento classifica o brasileiro como um mestre em resolver problemas e como possuidor de um ótimo senso para questões profundas e significativas, com formidável poder técnico, engenhosidade e tenacidade.
O comitê destacou o trabalho de Ávila no campo dos sistemas dinâmicos, que busca prever a evolução ao longo do tempo de fenômenos naturais e humanos das mais diversas áreas. Sistemas dinâmicos podem ajudar a descrever a evolução de epidemias, a provar que só é possível prever o tempo com alguns poucos dias de antecedência e a descrever impactos demográficos produzidos por pequenas mudanças. Ávila trabalha, em especial, com sistemas dinâmicos caóticos, em que pequenas alterações na situação inicial provocam modificações dramáticas na evolução do sistema – uma referência comum e presente até na cultura popular é o famoso ‘efeito borboleta’, que relaciona o bater de asas de uma simples borboleta a reações em série de eventos que podem resultar em tempestades do outro lado do mundo.
A notoriedade do brasileiro também está ligada à resolução de problemas que há décadas desafiavam matemáticos. Em 2005, por exemplo, junto com a ucraniana Svetlana Jitomirskaya, ele provou a ‘Conjectura dos 10 martínis’, que versa sobre o comportamento dos chamados ‘operadores de Schrödinger’, ferramentas matemáticas ligadas à física quântica. Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Ávila, confira uma entrevista com ele publicada em 2009 na revista Ciência Hoje, época em que seu nome já começava a ser cotado para a premiação.
Além do carioca, outros três pesquisadores receberam a medalha Fields este ano: Manjul Bhargava, da Universidade de Princeton (EUA); Martin Hairer, da Universidade de Warwick (Inglaterra), e Maryam Mirzakhani, da Universidade de Stanford (EUA), iraniana que também se tornou a primeira mulher a ser laureada. Cada um deles receberá 15 mil dólares canadenses, cerca de R$ 31 mil.
Matemática brasileira premiada
Criada em 1936, a medalha Fields é concedida a cada quatro anos para matemáticos de até 40 anos que tenham contribuído decisivamente para o desenvolvimento da área. Em comunicado à imprensa, Ávila contou que foi surpreendido pela notícia: “Eu não esperava ter chances em 2014, já que teria mais um ciclo de elegibilidade (em 2018)”, admitiu. “Minha reação inicial foi mais de alívio que de outra coisa, já que o prêmio agora significa que não vou ter de passar por mais quatro anos de pressão”, afirmou.
O matemático Marcelo Viana, vice-presidente da IMU, coordenador de atividades científicas do Impa, presidente da Sociedade Brasileira de Matemática e um dos poucos brasileiros já cotados para ganhar a medalha Fields avalia que, embora a premiação não possa ser considerada ‘previsível’, há anos já se esperava que o talento invulgar de Ávila fosse reconhecido. Ele lembra, porém, que a láurea também premia seis décadas de progresso da matemática brasileira. “Esse é o resultado de trabalho sério e investimentos na excelência e em jovens talentos”, afirma. “A criação do Impa, o lançamento do Colóquio Brasileiro de Matemática, a abertura do país à colaboração com centros do exterior, a expansão de nossa rede de pós-graduação e a própria consolidação do sistema científico, especialmente pela atuação do CNPq e da Capes, por exemplo, foram fundamentais para a conquista de hoje.”
De fato, um dos pontos mais interessantes da trajetória de Ávila é que ela foi construída em boa parte dentro do país. Ele foi medalhista de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) em 1995, aos 16 anos, quando começou a frequentar o Impa, onde fez mestrado e doutorado, junto com sua graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hoje é pesquisador do Instituto e do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica, órgão de pesquisa do governo francês), tendo se tornado o mais jovem diretor de pesquisa da instituição europeia.
“A medalha mostra que é possível fazer pesquisa científica de alto nível no nosso país e ser feliz ao mesmo tempo, ela faz de Ávila um modelo para todos os jovens com vocação científica”, comemora Viana. Palavras que ecoam as declarações do próprio laureado à imprensa: “Os grandes prêmios científicos são, essencialmente, símbolos que permitem levar a ciência para o imaginário popular”, avaliou. “No caso do Brasil, imagino que essa conquista tenha uma importância particular, já que demonstra, de maneira clara, que temos condições de fazer ciência do mais alto nível. É obviamente importante termos noção de que as coisas podem – e devem – ainda melhorar muito, mas uma visão exageradamente negativa das reais condições também é nociva.”
O diretor do Impa, César Camacho, também acredita que a premiação evidencia o avanço da matemática no país, que vem ganhando maturidade. “Nosso desejo é que o Artur seja uma referência para as novas gerações. Espero que a visibilidade ainda maior que o Impa deverá ganhar com essa medalha funcione como um fator de atração para outros jovens matemáticos”, afirmou, em comunicado à imprensa. Ele destacou o papel da instituição na coordenação de atividades que visam revelar talentos, como as olimpíadas de matemática, e aposta na internacionalização – o próprio Camacho tem origem peruana e cerca de um terço dos matemáticos da casa nasceram em outros países.
Desafio futuro
Além da medalha, a matemática brasileira pode comemorar outra importante conquista: o Rio de Janeiro receberá a próxima edição do ICM, em 2018. Criado em 1897, o evento nunca aconteceu no hemisfério Sul. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Matemática lançou um concurso destinado aos jovens em idade escolar para a criação da mascote do evento, cujas inscrições vão até 30 de setembro.
Para Viana, o ICM 2018 abre as portas para uma nova era de desenvolvimento da matemática no Brasil, sendo outro reconhecimento do enorme progresso científico alcançado nas últimas décadas. “Porém, nos coloca o imenso desafio de fazer com que ele tenha impacto decisivo tanto no crescimento da pesquisa nacional quanto na melhoria da nossa educação e na compreensão da importância da matemática para o progresso econômico e social da nação”, pondera. Em 2018, há possibilidades de vermos outro brasileiro premiado com a medalha Fields – Fernando Codá, também do Impa, era um dos nomes ventilados para este ano e ainda será elegível na próxima edição do ICM. E quem sabe até lá não ganhem força outros concorrentes nacionais inspirados pelo sucesso de Ávila?
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line