Granja sustentável

Dois grandes problemas enfrentados pelas granjas brasileiras são o alto consumo de energia que suas atividades demandam e a falta de destino para os dejetos da criação e do abate dos frangos. Uma pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostra que um problema pode ser a solução do outro. Os cientistas desenvolveram um mecanismo que transforma os resíduos avícolas em adubo orgânico e biogás, que podem substituir adubos químicos na agricultura e a lenha utilizada no aquecimento dos pintinhos nas granjas.

O sistema de granja sustentável se aproveita de elementos simples, como a água da chuva, para gerar combustível

O sistema de granja sustentável, idealizado pelo zootecnista Airon Aires, se aproveita de elementos simples, como a água da chuva, para gerar combustível. A ideia é que o criador de frango utilize os resíduos gerados pela criação de aves (dejetos, serragem, restos de ração etc.) em biodigestores (espécie de lagoa lacrada com lona de PVC), que contam com um sistema de peneiração (separação de sólidos), desenvolvido pelo pesquisador durante o seu doutorado.

Nesse processo, os resíduos avícolas são misturados à água da chuva em um tanque e, após 30 minutos, a parte líquida é separada da sólida em uma peneira rotativa. Os líquidos são enviados então para um biodigestor, onde a ação de bactérias anaeróbias degrada a matéria orgânica, produzindo, assim, biofertilizante líquido e biogás. Esse combustível produzido fica armazenado em uma cúpula de PVC para ser usado pelo granjeiro.

Já a parte sólida segue para um reator, onde é misturada a carcaças de aves (a taxa de mortalidade na produção animal é de 3%) e passa por um processo de degradação anaeróbia (na ausência de oxigênio). O produto desse processo pode ser utilizado como adubo orgânico para nutrir o solo e facilitar a produção vegetal.

Sistema de granja sustentável
Esquema do sistema de granja sustentável. Ao passar pelo processo, resíduos de frango que seriam descartados transformam-se em combustível e adubo. (imagem: Airon Magno Aires)

Essa segunda etapa é chamada de compostagem in-vessel ou envasada, por ser realizada em um ambiente totalmente lacrado, com controle de temperatura e umidade. A técnica é diferente da compostagem tradicional, na qual os resíduos orgânicos são colocados diretamente no solo e cobertos com terra para que se transformem em adubo.

“A compostagem in-vessel já é utilizada no exterior, mas jamais tinha sido usada em um protótipo nacional”, diz Aires. Segundo o pesquisador, esse processo é mais vantajoso por evitar a liberação de odores desagradáveis no ambiente e ser mais rápido. “Com o modelo in-vessel, a produção de adubo se dá em 15 dias, enquanto com o modo tradicional leva mais de 90 dias”, compara.

Economia e sustentabilidade

O sistema da granja sustentável foi testado com sucesso na Unesp usando os resíduos de granjas próximas. Com o uso do biodigestor, foi possível produzir 0,45 m3 de biogás por ave, o equivalente a 0,89 quilowatt-hora (kWh) de energia.

Considerando uma pequena granja com 20 mil frangos, seriam gerados até 9 mil m3 de biogás, o que equivale a 18 megawatt-hora (MWh) de energia, quantidade suficiente para suprir 50% da demanda elétrica e térmica de um lote de produção de aves (que leva 60 dias). Essa mesma granja produziria 262 m3 de biofertilizante (que pode custar até 22 reais por m3) e 31 toneladas de adubo orgânico (que atinge valor de até 250 reais por tonelada), o que poderia representar uma receita de até 6.757 reais por mês.

Aires: “Com a adoção do biogás, métodos que poluem o ambiente pela elevada emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, como a queima de lenha para aquecer os pintinhos, não precisam mais ser utilizados”

A adoção do sistema integrado pode garantir aos granjeiros uma grande economia financeira. “Em uma granja com quatro galpões, por exemplo, o gasto médio de energia elétrica e térmica é de cerca de 8 mil reais por mês, dependendo do tipo de aviário e da região onde está instalado”, aponta Aires. “Ao produzir biogás, o custo será zero, uma economia de 100%.”

Além disso, o modelo contribui para diminuir o impacto da criação de frangos sobre o meio ambiente. “Com a adoção do biogás, métodos que poluem o ambiente pela elevada emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, como a queima de lenha para aquecer os pintinhos, não precisam mais ser utilizados”, diz o pesquisador.

Mas não são só os criadores de frango que podem desfrutar das vantagens da ideia. Isso porque o biodigestor e a compostagem in-vessel podem ser aplicados às mais diferentes situações onde haja produção de resíduos orgânicos. “O sistema funciona com qualquer resíduo orgânico, por isso, pode ser usado na criação de outros animais e até com resíduos sólidos urbanos, gerados nos domicílios”, finaliza Aires.

Lucas Lucariny
Ciência Hoje On-line