Ele sobreviveu à extinção em massa que dizimou os dinossauros, se consolidou como um temido predador, mas não chegou até os dias de hoje como seus parentes, os jacarés e os crocodilos. Estamos falando do Sahitisuchus fluminensis, a mais nova espécie pré-histórica de crocodiliforme descrita por paleontólogos brasileiros e cujo nome, originário do idioma indígena xavante e do latim, significa ‘crocodilo guerreiro do Rio de Janeiro’.
O fóssil do animal, apresentado hoje na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), no Rio de Janeiro, revela um carnívoro terrestre de três metros de comprimento e um metro de altura que viveu na região fluminense de São José de Itaboraí entre 58 e 55 milhões de anos atrás, durante o Paleoceno – período geológico seguinte à extinção dos dinossauros, há 65 milhões de anos, no final da Era Mesozoica.
Os restos do animal – um crânio, uma mandíbula e algumas vértebras – foram recuperados junto com vários outros fósseis em uma pedreira de uma indústria de cimentos na década de 1940. O material ficou guardado no Museu de Ciências da Terra da CPRM e só agora foi preparado e estudado por pesquisadores da instituição e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“O fóssil apresenta um focinho característico de um animal predador de terra firme”, descreve o paleontólogo André Pinheiro, do Departamento de Geologia da UFRJ. “Os dentes eram serrilhados, típicos de carnívoros, mas os de trás, por não serem muito afiados, sugerem que ele tinha um comportamento alimentar variado, tanto de predador quanto de oportunista, se alimentando de animais mortos.”
A análise da anatomia do animal mostrou que ele era integrante do grupo dos sebecossúquios, crocodilos estritamente terrestres que surgiram há 100 milhões de anos e não têm mais representantes vivos. Para os pesquisadores, foi uma surpresa encontrar um novo integrante desse grupo no Paleoceno, visto que a extinção em massa que precedeu esse período dizimou grande parte dos crocodiliformes da época.
“No Mesozoico, os crocodiliformes alcançaram uma diversidade incrível de espécies, muito maior do que a que vemos hoje”, aponta o paleontólogo Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ. “Mas essa variedade sofreu um impacto muito grande na passagem para o Paleoceno e hoje os crocodiliformes são um dos poucos grupos de animais cuja diversidade era maior no passado quando em comparação com os dias atuais.”
Ficou pra trás
Apesar de o guerreiro Sahitisuchus fluminensis ter sobrevivido aos dinossauros, não teve a mesma sorte que outros grupos de crocodiliformes, como os aligatorídeos, que ainda hoje têm integrantes vivos, como os jacarés.
Os paleontólogos não sabem precisar o que levou à extinção dos sebecossúquios. Pinheiro diz que uma hipótese que poderia explicar o sumiço desses animais seria a chegada de carnívoros maiores e mais resistentes, como onças e guepardos, vindos da América do Norte há 23 milhões de anos, no período Mioceno.
“Naquela época, houve uma queda do nível do mar e as Américas do Sul e do Norte se uniram, o que permitiu a descida de carnívoros que começaram a competir por espaço e alimento com os crocodiliformes terrestres”, explica. “De maneira ainda não clara, esses animais não aguentaram a competição e desapareceram, enquanto os crocodiliformes que viviam na água conseguiram escapar.”
Para melhor compreensão dessas mudanças, o paleontólogo Diógenes Almeida Campos, da CPRM, chama a atenção para a necessidade de se preservar a bacia de Itaboraí, onde hoje há um parque paleontológico mantido pela prefeitura local. “A fauna encontrada na bacia de Itaboraí é muito interessante porque está no limite entre o Cretáceo e o Paleoceno, um período de muitas transformações, com o fim dos dinossauros e o aparecimento dos mamíferos”, diz. “Sua preservação é muito importante para o estudo da paleontologia e a geração de conhecimento.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line