A última ponta do cigarro fumado — a ’bituca’ ou ’guimba’ — é um poluente abundante nas ruas e praias de grandes cidades. Aparentemente em estágio final de utilização, a bituca ainda pode emprestar seus componentes como matéria-prima para a fabricação de papel. Quem propôs a idéia da reciclagem foi o aluno de graduação da Universidade de Brasília (UnB) Marco Antônio Barbosa em agosto de 2002, no trabalho final da disciplina ’Materiais em Arte’.
O Brasil produz por ano cerca de 33 mil toneladas de guimbas
A idéia do estudante de biologia era, a princípio, produzir papel a partir de materiais pouco usuais. “Tentei usar também poeira e casca de coco como matéria-prima, mas não deu certo”, diz Marco Antônio. “Foi uma maneira lúdica de criar.” O projeto foi orientado pela professora da disciplina, Thérèse Hofmann — que já pesquisava o desenvolvimento de fontes alternativas para a produção de papel –, e de Paulo Ziani Suarez, do Instituto de Química da UnB.
O estudo mostrou que transformar guimbas em papel não é tarefa complicada. O principal componente necessário para a reação química — a celulose — está presente de diversas formas na estrutura da guimba: o filtro é composto de acetato de celulose, o fumo contém matéria vegetal (fibras) e a camada externa de papel também são matéria-prima. Carvão e cinzas podem ainda ser usados, embora isso escureça o papel. Esse processo permite que a guimba do cigarro seja inteiramente reciclada.
Segundo Thérèse, os componentes da guimba são altamente higroscópicos, ou seja, absorvem água, o que facilita ainda mais a reciclagem. Nesse processo, acrescenta-se à bituca uma substância alcalina (como o carbonato de sódio ou a soda cáustica) e calor, de forma a provocar uma reação de hidrólise do grupo acetato de celulose, que é então transformado na celulose necessária para fabricar o papel.
A reciclagem das guimbas permite obter celulose para a fabricação de papel
“Podem ser reaproveitadas as cerca de 33 mil toneladas de guimbas que o Brasil produz por ano”, diz Marco Antônio. Não apenas a coleta pública de lixo, mas também os resíduos de indústrias de cigarro e até os cigarros falsificados apreendidos podem ser transformados em papel nobre, para uso em impressão.
Uma recente parceria entre os pesquisadores e um shopping center de Brasília provou que é viável realizar a coleta seletiva do material e utilizá-lo de forma eficaz. “Trabalhamos com 100 litros de guimbas por semana e o índice de aproveitamento é bastante alto”, afirma Thérèse.
Ainda em escala experimental, o projeto despertou o interesse de empresas químicas e fabricantes de cigarro, que vêm na iniciativa uma maneira de garantir uma imagem ’ecologicamente correta’. “Para uma indústria é seguro embarcar nesse projeto, pois não são necessárias grandes mudanças estruturais ou altos investimentos”, diz Marco Antônio.
O próximo passo consistirá em elaborar um estudo da viabilidade econômica do processo de reciclagem, mas desde já se acredita que o custo será baixo o bastante para que microempresários invistam e comunidades carentes adotem o projeto como fonte alternativa de renda.
Fábia Andérez
Ciência Hoje On-line
04/11/03