Nesta quarta-feira, às quatro horas da manhã, horário de Brasília, foi feito um dos anúncios mais esperados no mundo da física: pesquisadores do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) encontraram uma partícula subatômica que muito provavelmente é o famoso bóson de Higgs, peça fundamental para fechar o Modelo Padrão da física de partículas, utilizado para explicar a constituição de grande parte do universo visível.
O anúncio, que marca a abertura da 36ª Conferência Internacional de Física de Altas Energias, evento que acontece na Austrália, foi feito na sede do Cern, em Genebra, na Suíça, e transmitido ao vivo para o auditório na Oceania. O seminário reuniu o diretor de pesquisa da entidade, Sergio Bertolucci, e os porta-vozes dos dois grupos que estudam o bóson de Higgs, Fabiola Gianotti, do Atlas, e Joe Incandela, do CMS.
Os dados apresentados pelos dois experimentos mostram resultados compatíveis e bastante similares, que evidenciam a existência de uma nova partícula numa faixa energética em torno de 125-126 gigaeletronvolts (GeV), com uma precisão de 99,99994%.
O diretor do Cern, no entanto, foi cuidadoso ao anunciar o feito, ressaltando que embora a partícula encontrada seja provavelmente um bóson, ainda não é possível provar que se trata de fato do Higgs. “De forma leiga, podemos afirmar: temos algo. Agora cabe aos cientistas descobrir exatamente o quê”, afirmou. “É como se avistássemos ao longe alguém que achamos conhecer. Precisamos nos aproximar, identificar as semelhanças, saber se é mesmo ele, um gêmeo ou alguém parecido. Precisaremos estudar muito detalhadamente a nova partícula.”
Fruto de um longo trabalho
O bóson de Higgs, partícula hipotética postulada pelo físico inglês Peter Higgs na década de 1960, seria a responsável por conceder massa às partículas subatômicas. A busca pela apelidada ‘partícula de Deus’ tornou-se a mais longa e cara da história da física. Desde 2005, o Cern tem utilizado o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), uma supermáquina de três bilhões de euros e 27 quilômetros de circunferência ‘enterrada’ na fronteira da França com a Suíça, para tentar comprovar sua existência.
Pesquisador do Atlas há 16 anos, o físico brasileiro Hélio Takai comentou, por e-mail, a importância do evento. “É sem dúvida um marco na física de partículas e acredito que a comunidade científica está muito contente com as novidades”, afirmou. “Mas acho importante ressaltar que esses resultados não saíram do zero, são frutos de um longo trabalho do Cern e de outros centros de pesquisa nas últimas décadas.”
Takai também falou sobre a importância do sigilo na divulgação dos resultados. “Era muito importante a confidencialidade, pois se os dois grupos apresentassem resultados semelhantes de forma independente, a descoberta seria ainda mais forte”, explicou.
Os dados apresentados hoje foram obtidos pelos grupos separadamente. A próxima fase envolverá analisá-los de forma conjunta e aprimorar os resultados para publicação. O diretor elogiou o que chamou de co-opetição entre as equipes do Atlas e do CMS. “Ao atuarem juntos e, ao mesmo tempo, competirem entre si, os experimentos apresentam dados com altíssima qualidade”, defendeu.
Fim da jornada?
Não; pelo contrário. Bertolucci explicou que agora os grupos do Cern terão até o início do ano que vem, quando as atividades do LHC serão interrompidas para manutenção, para gerar mais dados sobre a partícula. “Provavelmente não será possível ainda afirmar se a nova partícula corresponde mesmo ao bóson de Higgs, mas é cedo para dizer até onde conseguiremos chegar nesse período”, acredita. “Independente disso, a descoberta significa o acesso a um novo nível da ‘fábrica do universo’.”
Para Takkai, o feito poderá abrir um novo leque de possibilidades. “Por exemplo, se a partícula for mesmo o bóson de Higgs, seria possível ‘fechar’ o modelo padrão e abrir novas áreas a serem exploradas; a fábrica do universo é complexa e há muitas coisas que não entendemos”, afirma. “A gravitação é uma delas. Não está incluída no modelo padrão, mas é fundamental se quisermos pensar no desenvolvimento de uma ‘teoria de tudo’.”
A possibilidade de a partícula não se comportar exatamente como previsto para o bóson de Higgs também pode trazer importantes informações para a ciência. “Com o LHC, houve um avanço muito rápido no estudo do bóson de Higgs, mas outros campos, como o estudo da supersimetria e das multidimensões, não tiveram o mesmo sucesso”, afirmou Gianotti, do Atlas. “O estudo da nova partícula pode ajudar essas pesquisas. Vamos seguir olhando em todas as direções, apesar da necessidade de nos debruçarmos sobre o novo bóson.”
Momentos de emoção
Os cientistas presentes no seminário não conseguiram conter a emoção diante dos dados. Joe Incandela, do CMS, quase perdeu a linha de raciocínio algumas vezes, visivelmente nervoso. Quando os tão aguardados resultados eram apresentados, o auditório vinha abaixo em longas salvas de palmas.
“Foi uma sensação magnífica ver a reação da comunidade científica”, afirmou Incandela. “O trabalho demandou um enorme investimento de recursos e pessoas e só durante a apresentação foi possível se deixar levar por essa emoção. Antes era fundamental que estivéssemos focados, para analisar os dados com propriedade.”
Em um dos momentos mais emocionantes da madrugada, o próprio Peter Higgs parabenizou as equipes envolvidas na descoberta e se disse emocionado por ter vivido para presenciar o acontecimento.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line