Um tipo mutante do vírus HIV que adquiriu resistência a algumas drogas do coquetel de medicamentos contra a Aids já existe no Brasil. A constatação é parte de um estudo feito pelo Laboratório de Retrovirologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) juntamente com a Fundação Pró-sangue/Hemocentro de São Paulo e com a Universidade da Califórnia (EUA). A pesquisa pretende definir o perfil do HIV no Brasil e será usada como base para a criação de novas vacinas.
Vírus HIV (pontinhos pretos), agente causador da Aids (imagem: arquivo Fiocruz)
Os cientistas acompanham a evolução da epidemia desde 1995 na cidade de Santos (litoral de São Paulo) — município com grande incidência de Aids e primeiro no país a adotar as drogas para o tratamento da doença. “Por ser portuária, a cidade é porta de entrada para outros subtipos do vírus e, como a população de lá toma os remédios há mais tempo, era possível encontrar ali resistências aos medicamentos”, diz Ricardo Diaz, infectologista da Unifesp e um dos coordenadores do estudo.
Para comparar casos antigos e novos de contaminação com o vírus, os pesquisadores utilizaram uma técnica de análise capaz de identificar se a infecção é recente (ocorrida até quatro meses antes da coleta de sangue). Pacientes que contraíram o HIV em 2000 se mostraram mais resistentes a drogas do coquetel de remédios. “Cerca de 20% dos pacientes com casos recentes de contaminação apresentaram resistência completa ao 3TC e parcial ao AZT”, comenta Diaz. “No grupo infectado há mais tempo, esse número não chegava a 5%.”
Outro fenômeno verificado é que os vírus de alguns indivíduos contaminados recentemente são combinações de dois subtipos de HIV mais comuns no Brasil (B e F). Outro subtipo do vírus — o C, mais agressivo e menos comum no Brasil — também foi detectado em Santos. Os cientistas acreditam que esses dois subtipos (recombinante e C) podem estar presentes em outras partes do país. Potencialmente, vírus com muita diversidade genética podem apresentar dificuldade na sua detecção.
Além do aumento da incidência da doença em Santos, a pesquisa revelou um dado curioso: o perfil da população infectada com o vírus mudou nos últimos anos. Do total de infectados recentemente, 60% tiveram relação sexual com um único parceiro no último ano; as mulheres representaram 80% do total de novos casos e o sexo anal está entre os principais fatores de risco. Entre os homens, 80% dos contaminados tinham essa prática sexual, enquanto que, para as mulheres, o índice ficou em cerca de 60% (entre as não infectadas, a percentagem é inferior a 10%).
Apesar de as notícias não serem as melhores, Diaz garante que não há motivos de pânico. “As constatações servem de alerta para as autoridades e para a população em geral, que não deve se descuidar. A melhor maneira de se combater a doença é ainda a prevenção.”
Diferentes tipos de HIV
Existem diferentes subtipos de HIV porque o vírus sofreu modificações genéticas desde que passou do macaco para o homem. São as diferenças no genoma que determinam a que subtipo cada vírus pertence. Sabe-se que o homem adquiriu o vírus da imunodeficiência humana (HIV) a partir do cruzamento com dois tipos de macacos: o HIV1 no cruzamento com o chimpanzé e o HIV2 com o mangabi. No caso do HIV1, três grupos de homens cruzaram com o chimpanzé em épocas diferentes, o que gerou os subtipos M, O e N. O subtipo M se espalhou por vilas diferentes e evoluiu geneticamente para formar subtipos que vão de A a H. Desses, os mais comuns no Brasil são o B (prevalente nos EUA e Europa) e o F (comum na África e Romênia).
Sarita Coelho
Ciência Hoje on-line
01/11/01