Pense o conhecimento como qualquer tipo de informação que circula no mundo. Tudo o que é intangível e imaterial entra nesse pacote: um programa de computador, uma música, uma descoberta científica, uma ideia. Agora pense em um celular, uma bolsa, uma televisão ou uma casa. Coisas tangíveis, perecíveis e, portanto, únicas e proprietárias. Guarde essa distinção.
Foi usando esse cenário como parâmetro que Amadeu ministrou a aula promovida pelo Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ. A contextualização serviu para compreender sua posição quanto à produção e reprodução de informação e conhecimento.
“Software é mais parecido com uma música do que com uma turbina de avião: não tem existência física, portanto é imaterial e não é escasso”, diz o sociólogo. E completa: “Se me roubam o celular, eu perco aquele celular para sempre. Se copiam um software que inventei ou um CD que tenho, ambos se duplicam, mas aquilo continua sendo meu. É o que chamamos de ‘bens não rivais’. Portanto, diferentemente do que muitos dizem, pirataria não é crime.”
A fala de Amadeu dialoga com diversos movimentos de cultura livre que existem no Brasil. Dois deles tomaram corpo nos últimos meses: o Pontão da ECO/UFRJ, que abriu as portas em agosto, e o Fórum de Cultura Digital, lançado em São Paulo em julho. O Fórum ainda produziu o livro CulturaDigital.BR, compilação de reflexões sobre o tema.
“Não reinventem a lâmpada”
Tux, mascote do Linux, um dos sistemas operacionais livres mais conhecidos no mundo (imagem: divulgação).
Amadeu contribuiu com um capítulo do livro, e não foi à toa. Ele é atuante na web 2.0 – termo pelo qual não tem muito apreço – e milita há anos por um novo formato de organização e distribuição da informação. Na aula promovida pelo Pontão da ECO/UFRJ, tentou ampliar conceitos apresentados na obra.
Além da questão da pirataria, Amadeu relativiza um bastião do mundo industrial que, segundo ele, encontra-se em decadência. “O conceito de autoria foi totalmente modificado com a internet. Na cibercultura, a prática é recombinante, segue a tendência do remix. Tudo é produzido coletivamente. No mundo pós-internet, houve uma crise na propriedade”.
Crise a que forma alguma de produzir conhecimento estaria imune. O professor cita a biotecnologia como uma das áreas da ciência defasadas em relação ao estado de coletividade vigente. “Na universidade, quando uma tese promissora é publicada, logo um laboratório aparece e propõe patentear o estudo. Isso faz com que a possibilidade de melhorar o que foi produzido de modo coletivo seja afetada por questões financeiras”, diz Amadeu. E completa: “Não temos que reinventar a lâmpada. Melhore, conteste ou altere o conhecimento, mas não é necessário começar do zero.”
Na opinião de Amadeu, o mundo atual é ditado pela cultura hacker. Não o hacker como é conhecido hoje, de modo pejorativo e com a atuação relacionada a atividades ilícitas. O sociólogo vai à origem da palavra para explicar como vê a cultura das redes. “Hacker não é sinônimo de cracker, o sujeito que entra num sistema para quebrar a segurança. Hacker vem de ‘cortar” [em inglês, to hack], e cortar com precisão. É aquele que tem grande talento e é preciso, aquele que se destaca no que faz.”
Ainda divagando sobre os hackers, o professor defende que a sociedade contemporânea tem características meritocráticas – forma de governança baseada no mérito. No entanto, apesar de privilegiar os melhores, esse tipo de organização não seria segregadora. Pelo contrário, estimularia a produção coletiva. “Não importa o quanto você contribui, se é pouco ou muito. Não é uma questão de quantidade. Se você contribui bem pouco, mas dá o que tem de melhor, já está ótimo.”
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
04/09/2009