Humboldt, um visionário

Alexander von Humboldt (1769-1859) retratado pelo pintor alemão Joseph Karl Stieler em 1843.

O dia 6 de maio de 2009 marca os 150 anos da morte do naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), que deixou um legado que acompanha até hoje os estudiosos das ciências da terra. Contemporâneo de Darwin e tido por ele como referência no estudo da natureza das Américas, Humboldt tinha uma visão integrada da ciência que se mantém atual e, em tempos de aquecimento global, mais do que nunca necessária.

Um aspecto marcante da obra de Humboldt era sua visão abrangente das ciências. Para ele, todos os fenômenos naturais obedeciam a uma “física do mundo”, que regia e interligava a terra, o mar e a atmosfera às plantas, animais e sociedades. A ideia que ele defendia das inter-relações entre os fenômenos naturais marcou-o como o maior crítico da divisão entre as ciências do século 19.

Entre as principais contribuições de Humboldt para a ciência, estão o estudo da geografia das plantas, que confirma as variações das espécies de acordo com o clima, e a descoberta da diminuição da intensidade do campo magnético terrestre dos pólos ao equador. Seu estudo dos vulcões nos Andes deu origem à sismologia, e a análise que ele fez dos oceanos levou à descoberta as correntes marinhas, uma das quais leva o seu nome.

Boa parte das informações descritas em seus trabalhos resulta da grande viagem que fez às Américas entre 1799 e 1804. Acompanhado do botânico francês Aimé Bonpland (1773-1858), o alemão visitou Venezuela, Cuba, Colômbia, Peru, Equador, México e Estados Unidos. Durante a expedição, Humboldt pôde realizar diversas experiências e confirmar sua tese de uma dinâmica universal da natureza.

Juntos, o naturalista e o botânico descreveram cerca de 60 mil plantas, sendo 6.300 espécies ainda desconhecidas na Europa. Humboldt também elaborou mapas e coletou dados climáticos, magnéticos, minerais, zoológicos e étnicos, os quais foram publicados em 34 relatórios ao longo de 25 anos.

A tela acima, pintada em 1810 pelo alemão Friedrich Georg Weitsch, retrata Humboldt e Bonpland diante do vulcão Chimborazo, o ponto culminante do Equador. Os estudos que o naturalista alemão fez dos vulcões da cordilheira dos Andes são considerados um dos marcos iniciais da sismologia.

O livro de uma vida
Seu trabalho mais reconhecido seria desenvolvido já no final da vida: Kosmos, um livro monumental com cinco volumes publicados entre 1845 e 1862 (os três últimos só saíram após a sua morte). Descrito por Humboldt a um amigo como “o livro da sua vida”, Kosmos  reúne as observações e pensamentos sobre a natureza que ele elaborou ao longo de mais de meio século, e contempla desde as galáxias até os menores musgos.

A leitura da obra de Humboldt marcou muito o jovem Charles Darwin (1809-1882). A perspectiva de conhecer a natureza exuberante das Américas descrita pelo alemão foi um dos fatores que o levaram a aceitar o convite para integrar a expedição que faria a circunavegação do globo a bordo do Beagle.

Em trechos de cartas enviadas a amigos durante sua viagem, Darwin citou o naturalista alemão diversas vezes, sempre se referindo a suas descrições e estudos feitos na América Latina. “Antes [da viagem do Beagle] eu admirava Humboldt; agora, quase o venero. Só ele consegue dar alguma noção dos sentimentos despertos em minha mente após adentrar os trópicos”, relata o britânico em carta a seu tutor, o botânico e geólogo britânico John Stevens Henslow (1795-1861).

Ilustrações feitas por Humboldt de uma planta da família das malváceas da espécie Chiranthodendron pentadactylon. Junto com Bonpland, ele descreveu milhares de espécimes em sua viagem às Américas.

“Humboldt ajudou na criação do mundo intelectual que Darwin habitou, e seus escritos inspiraram Darwin a embarcar no H.M.S. Beagle”,resume o geólogo Stephen Jackson, professor da Universidade de Wyoming, nos Estados Unidos, em artigo publicado na  Science

da semana passada em comemoração aos 150 anos da morte de Humboldt.

 

Darwin x Humboldt?

 

Em seu artigo, Jackson critica muitos historiadores da ciência por lembrarem Humboldt apenas como o inspirador de Darwin. O geólogo defende o valor do trabalho realizado pelo naturalista, e reafirma a pertinência de sua visão científica. “Em termos da ciência que é mais relevante para os interesses da sociedade atual, pode-se dizer que Humboldt é mais pertinente que Darwin”, polemiza ele em entrevista à CH On-line.

 

 

Mais que sugerir que a contribuição de Humboldt seja mais importante que o legado de Darwin, Jackson defende sobrtetudo que adotemos a visão integrada da natureza característica do naturalista alemão. Ele acredita que essa postura pode, inclusive, nos ajudar a prevenir os desastres que podem surgir devido às mudanças climáticas.

 

“O que precisamos, mais do que nunca, é de uma ciência integrada, interdisciplinar, que englobe as interações entre os vários componentes do planeta, desde a atmosfera e dos oceanos às plantas, animais e sociedades”, afirma Jackson. “É desse tipo de ciência, defendido por Humboldt, que precisamos para compreender e evitar as possíveis catástrofes decorrentes das mudanças climáticas.”

Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
05/05/2009