Iguais, mas nem tanto

 

Gêmeos idênticos podem não ser tão parecidos quanto você supõe. É o que afirmam pesquisadores liderados por Mario F. Fraga e Manel Estellar, do Centro Nacional do Câncer da Espanha. Eles descobriram que, apesar de carregarem o mesmo material genético, durante a vida os gêmeos univitelinos (os idênticos) vão sofrendo alterações diferentes em seu fenótipo – o conjunto de manifestações de seus genes. Os principais responsáveis por essas alterações seriam fatores externos, como atividade física e alimentação, e elas explicariam porque muitos gêmeos não compartilham certas doenças, em especial neurológicas, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar.
 
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Cromossomos 1 de gêmeos idênticos com 3 e 50 anos de idade (esq. e dir., respectivamente). As manchas vermelhas acusam a ligação do radical metil à molécula de DNA e revelam como a idade afeta a ativação dos genes.

“Esses gêmeos são formados a partir da divisão da mesma célula ovo e possuem DNA idêntico”, afirma o geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Por isso, a pesquisa com gêmeos univitelinos é um dos processos mais utilizados para avaliar até que ponto certa característica tem ou não origem genética.” O diferencial do estudo espanhol foi não se restringir a uma simples observação de características, mas analisar diretamente a atividade dos genes.

 
Os cientistas estudaram o material genético de 80 pessoas com idades entre 3 e 74 anos, todos gêmeos idênticos (15 pares masculinos e 25 femininos). Foram analisados linfócitos, células do tecido epitelial da boca, de músculos esqueléticos e da região subcutânea abdominal dos voluntários. Apesar de terem o mesmo DNA, cada uma dessas células possui um conjunto de genes ativos diferentes, de acordo com sua especialização, enquanto os outros permanecem inativos. Os voluntários também foram submetidos a questionários sobre seu estado de saúde, hábitos nutricionais e estilo de vida.
 
Os testes mostraram que, em 35% dos casos, a atividade dos genes possuía significativas diferenças entre os indivíduos de cada par – ou seja, muitos dos genes inativos em um eram ativos no outro e vice-versa. Além disso, os pesquisadores perceberam que as diferenças aumentavam com o passar da idade e que o crescimento em um ambiente comum parece ter grande relevância: os gêmeos que passaram mais tempo juntos possuíam fenótipos mais parecidos.
 
A hipótese dos cientistas, publicada na revista PNAS do dia 26 de julho, é que essas alterações teriam sido causadas por fatores externos que influenciaram diretamente o fenótipo como dieta, atividade física, fumo, álcool, drogas e perturbações psicológicas. Além disso, problemas na divisão celular acumulados com a idade também podem estar envolvidos.
 
Acredita-se que esses fatores alteram a atividade de certos mecanismos que atuam sobre o DNA (chamados epigenéticos) e são responsáveis por controlar a atividade dos genes. “Para ser transcrito, o DNA abandona sua forma normal, condensado e enrolado em proteínas chamadas histonas, desenrola-se e o material se separa, expondo a cadeia”, explica Salzano. É nesse momento que algumas moléculas podem se ligar ao gene e inibir sua atividade. No caso do estudo espanhol, os pesquisadores investigaram a ligação com os radicais metil e acetil.
 

O estudo abre a possibilidade de entender e controlar as alterações do fenótipo humano, conhecimento que seria válido no combate a diversas doenças. Os cientistas ainda não identificaram, porém, como esses fatores externos exercem tamanha influência nos processos epigenéticos. “Por isso, estudos futuros devem determinar exatamente o mecanismo responsável pelas modificações”, conclui Salzano. 


Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
03/08/05