Igualdade na Constituição não evita discriminação

 

 A Constituição de 1988 determinou a exigência de concursos na seleção de funcionários para o serviço público. O objetivo era que os candidatos fossem aprovados segundo sua qualificação. Com isso, o número de mulheres no serviço federal aumentou consideravelmente. No entanto, o salário ganho por elas ainda é menor do que o recebido pelos homens. Essa é uma das conclusões de um estudo recente ainda não publicado do economista Jorge Arbache, da Universidade de Brasília (UnB).

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A discrepância acontece porque a maioria dos cargos de chefia — que recebem as mais altas gratificações — são ocupados pelo sexo masculino. Nos cargos que recebem a maior gratificação por Direção e Assessoramento Superior (DAS), a proporção chega a 90%. “A Constituição conseguiu coibir o clientelismo, mas não a discriminação”, explica o economista.

Arbache analisou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em um período anterior e posterior à Constituição (de 1981 a 1999). “O sistema de seleção por concurso conseguiu diminuir a diferença de salários, mas esta não chegou a zero”, constata.

Foram analisados dados de funcionários públicos ativos da administração federal com curso de graduação completo. No período pré-constituição, 60,5% das pessoas entre 33 e 43 anos que trabalhavam no serviço federal eram homens. No período posterior, a quantidade de mulheres e homens se igualou. No entanto, essa igualdade não se refletiu nos salários.

Embora a remuneração continue desigual, a diferença de salários entre homens e mulheres diminuiu com a obrigatoriedade dos concursos: entre jovens de 22 a 32 anos — geração mais nova, que entrou por concurso — a assimetria foi de 27%, enquanto para pessoas de 33 a 43 anos foi de 38,7%. Nas pessoas com idades entre 44 e 54 anos, que foram contratadas sem concurso, a diferença chega a 49,5%.

Já nas indústrias privadas, um outro estudo de Arbache mostra que as diferenças salariais tendem a diminuir devido à concorrência entre as empresas. A abertura econômica do início da década de 1990 aumentou a competição entre as empresas, o que reduziu a discriminação salarial e o diferencial de salários por gênero. No período pós-liberalização os salários das mulheres aumentaram 7,6%, enquanto os salários masculinos diminuíram 6,2%.

“A discriminação custa caro”, afirma Arbache. As empresas poderiam reduzir custos contratando trabalhadores do grupo que sofre discriminação por um salário mais baixo. Segundo o estudo, o aumento da competição em determinada indústria ou região pode levar a longo prazo à redução ou mesmo à eliminação da discriminação. “Quanto maior a concorrência, mais a discriminação causa prejuízo”, conclui.

Eliana Pegorim
Ciência Hoje On-line
20/09/04