O cinema nacional tem sido acusado de reproduzir a linguagem dos filmes norte-americanos e elaborar obras pobres em ‘brasilidade’. Como muitas das tramas se passam no Rio de Janeiro e são narradas a partir do olhar de um estrangeiro, diversos críticos alegaram que nossa produção cinematográfica recente vende um estereótipo da cultura nacional.
Cartaz de três dos filmes nacionais analisados no estudo:
O que é isso, companheiro?, Bossa nova e A grande arte
Disposto a investigar essa visão e avaliar até que ponto nossos costumes se distanciam da imagem que os estrangeiros fazem de nós, o arquiteto Leonardo Name ingressou no mestrado em geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seu plano era analisar filmes nacionais e norte-americanos que tivessem o Rio como cenário e, como protagonistas, personagens norte-americanos.
Leonardo abordou o cinema como parte do que se convencionou chamar de “cultura de viagem”, tornando-o legítimo objeto para um estudo geográfico. O pesquisador partiu da idéia de que, tal como guias turísticos ou cartões postais, um filme seleciona pedaços do espaço urbano que circulam mundo afora e tornam conhecidas terras distantes. Foram alvos de sua investigação, nas 17 obras que analisou, os deslocamentos da câmera, dos personagens e, portanto, do espectador, que se encarrega de recompor os fragmentos da cidade retratada.
Os filmes Bossa nova e A grande arte foram escolhidos para uma análise mais profunda. O primeiro, que enfatiza a imagem da protagonista andando pela região mais ‘nobre’ da cidade de maneira lenta e descompromissada, mostraria um Rio acolhedor; já o segundo, cujo personagem principal tem deslocamentos rápidos por meios mecanizados até a periferia da cidade, evidenciaria um Rio que expulsa. Para o autor, tais filmes mostram como sentimentos originados na experiência cotidiana da ‘cidade real’, como alegria, medo ou desespero, podem ser expressos por signos espaciais.
“Estão muito presentes, nos dois filmes, as contradições da cidade. Os recortes espaciais evidenciam isso: a Lapa e o Centro estão associados ao caos urbano, enquanto a orla da Zona Sul é o paraíso”, explica o autor. Entre outros filmes nacionais analisados, estão O que é isso, companheiro?, Como nascem os anjos e O mar por testemunha .
Cartaz de três dos filmes norte-americanos analisados no estudo:
Voando para o Rio, That night in Rio e Nancy goes to Rio
Leonardo concluiu que traços da representação estrangeira da cidade são repetidos pelo cinema nacional, mas não vê nisso algo necessariamente ruim. “A mistura de elementos nos filmes brasileiros é uma estratégia de mercado, e não uma submissão à dominação cultural”, defende. Ele sustenta que os padrões comumente atribuídos ao brasileiro não são externos. “Estamos inseridos nessa teia de significados”, justifica. “Estereótipos não nascem em árvores. Se nos vêem de alguma forma, é porque temos algum interesse nisso.”
Ficha técnica dos filmes citados:
Bossa Nova, de Bruno Barreto. Brasil/EUA, 2000.
A grande arte, de Walter Salles Jr. Brasil, 1991.
O que é isso, companheiro?, de Bruno Barreto. Brasil, 1997.
Como nascem os anjos, de Murilo Salles. Brasil, 1996
O mar por testemunha (Dead in the water), de Gustavo Liepztein. Brasil/EUA, 2001
Voando para o Rio (Flying down to Rio), de Thorton Freeland. EUA, 1933.
Meu amor brasileiro (Latin lovers), de Mervyn LeRoy. EUA, 1953
Boca, de Walter Avancini e Zalman King. Brasil/EUA, 1994.
Kickboxer 3 ‐ a arte da guerra (Kickboxer 3 ‐ the art of war ), de Rick King. EUA, 1992
Carolina Benjamin
Ciência Hoje On-line
20/05/04