Índias brasileiras são imunes ao câncer de mama

O câncer de mama, que mata mais de 370 mil mulheres por ano no mundo, não atinge as índias brasileiras. A constatação foi feita por pesquisadores do Núcleo de Terapia Especializada em Cancerologia de Cuiabá (Nutech), onde o tema é objeto de estudo desde 2001. O motivo da imunidade seria uma combinação de fatores — entre eles a presença, no DNA indígena, de genes que produzem uma seqüência de proteínas que causam queda na produção dos hormônios estrogênio e progesterona.

Guilherme de Castro e xavantes da reserva de Sangradouro (MT)

O oncologista Guilherme de Castro é pesquisador do Nutech e atendeu as índias xavantes por mais de dez anos. Nunca encontrou nenhum caso de câncer de mama entre elas. Não deu importância ao fato até que ouviu um médico americano dizer em um congresso que esse tipo de câncer atingia mulheres de todas as etnias. A partir daí, Castro decidiu pesquisar: não encontrou referências à doença nos arquivos da Fundação Nacional do Índio (Funai) nem nos da Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo), que faz pesquisas no Parque do Xingu (MT) há mais de trinta anos.

O oncologista realizou um estudo na reserva de Sangradouro, 270 km a leste de Cuiabá, onde vivem cerca de mil xavantes. Foram aplicados questionários para investigar os padrões sociais, alimentares e reprodutivos das índias. Além disso, foram colhidas amostras de sangue. Os questionários revelaram que certos costumes das índias protegem-nas do câncer de mama: gestação precoce, amamentação e o fato de ter muitos filhos (entre as xavantes, a média é de 8,6) são considerados fatores de proteção contra a doença.

O padrão alimentar, no entanto, mudou. A dieta, que era composta sobretudo de caça e mandioca, incorporou itens como macarrão, leite e óleo de soja, depois que a Funai passou a distribuir cestas básicas. “O resultado foi uma epidemia de diabetes melito entre os índios”, diz Castro. Mas nada mudou quanto ao câncer de mama. “Isso nos levou a pensar que havia algum fator genético de proteção contra a doença.” A análise do sangue das índias revelou uma baixíssima concentração de estrogênio e progesterona, hormônios associados à origem desse câncer.

 

Índia xavante tem seu sangue coletado por médico

 

O estudo está agora na fase de análise do genoma dos índios. A molécula de DNA tem quatro bases nitrogenadas: adenina (A), guanina (G), timina (T) e citosina (C). Normalmente, T se liga a A e G se liga a C. Os cientistas descobriram que, no DNA das índias, há ligações entre A e G que se repetem. Essa pode ser a causa da baixa produção de hormônios. “O padrão de escolha de parceiros entre os xavantes reforça esse aspecto”, explica Castro. “Os índios só se casam com parentes por parte de mãe, o que cria um padrão genético exclusivo. O fator protetor é provavelmente transmitido de mãe para filha.”

A imunidade ao câncer de mama não se restringe aos xavantes. “Todos os índios brasileiros são da mesma etnia. A divisão em grupos é feita com base no idioma”, diz Castro. “Prova disso é que todos eles têm sangue do tipo O + . A presença de um único tipo sangüíneo em uma população é um fato único no mundo.”

Adriana Melo
Ciência Hoje on-line
11/07/03