Com o aumento da expectativa de vida da população, tem sido cada vez maior a prevalência de doenças neurológicas, atualmente uma importante causa de mortalidade no mundo. Apesar dos rápidos avanços na tecnologia médica e na compreensão de como funciona o cérebro humano, várias doenças neurológicas, como as de Alzheimer e Parkinson e tumores cerebrais, permanecem sem um tratamento eficaz.
O problema não se deve à falta de fármacos para essas doenças, mas à dificuldade que eles têm em atravessar a barreira que separa o sistema circulatório do sistema nervoso central (chamada barreira hematoencefálica) e chegar ao local onde devem desempenhar sua ação terapêutica. Embora tenha uma vasta rede de vasos capilares, o cérebro é provavelmente um dos órgãos menos acessíveis a substâncias que circulam na corrente sanguínea. Isso porque essa barreira semipermeável tem como função proteger o cérebro de substâncias estranhas, como certos medicamentos, vírus e bactérias.
Um estudo publicado este ano e financiado em parte pelo projeto internacional Inpact demonstrou que segmentos específicos (chamados peptídeos) de uma proteína presente na camada que envolve o vírus da dengue tipo 2 podem ser usados como transportadores de substâncias através da barreira hematoencefálica, sem precisarem de receptores específicos no cérebro que ‘autorizariam’ sua passagem por essa barreira.
Em testes com células e com camundongos, observou-se que um peptídeo em particular, denominado PepH3, consegue penetrar rapidamente no cérebro, assim como ser excretado, o que é extremamente positivo para evitar possíveis efeitos tóxicos associados à acumulação do peptídeo nesse órgão. Essa propriedade faz com que o PepH3 possa ser usado para transportar substâncias tanto para dentro como para fora do cérebro.
“O que se pretende com o PepH3 é que funcione como um sistema de liberação controlada para o cérebro. O que verificamos com esse peptídeo é que ele tem a capacidade de entrar e sair do cérebro. Isso é vantajoso especialmente para a doença de Alzheimer, em que se pretende remover os agregados tóxicos que estão associados à patologia”, explica a líder da pesquisa, a engenheira biotecnológica portuguesa Vera Neves, atualmente pesquisadora no Instituto de Medicina Molecular (Lisboa).
Anticorpos como estratégia terapêutica?
A mesma cientista também pesquisa a utilização de anticorpos (proteínas produzidas pelo nosso sistema imunológico para reagir à entrada de um corpo estranho no organismo) no tratamento de doenças cerebrais. Além de terem potencial para a promover a melhora dos sintomas, os anticorpos podem prevenir a progressão de determinadas doenças, ao contrário das terapias convencionais.
A diminuição do tamanho cerebral está associada a doenças neurodegenerativas como a de Alzheimer. O uso de anticorpos capazes de penetrar no cérebro é considerado uma das estratégias mais promissoras para melhorar os sintomas dos pacientes e impedir a progressão da doença. (foto: Hersenbank/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)
Vera Neves salienta que, na doença de Alzheimer, por exemplo, a terapêutica atual utiliza inibidores que regulam a transmissão de informação entre neurônios. “Se fosse possível usar anticorpos que reconhecem a proteína beta-amiloide [proteína tóxica que se acumula nas placas senis que se formam no cérebro e são uma das características da doença] e que ao mesmo tempo conseguem inibir a acumulação da mesma, essa estratégia iria não só melhorar os sintomas como prevenir a progresso da doença”, diz a pesquisadora. E acrescenta: “Idealmente, o tratamento deveria ser feito no início da doença para evitar os efeitos irreversíveis, como a morte celular. Por isso, é também importante encontrar meios de detectar a doença em estágios iniciais.”
O obstáculo ao uso de anticorpos para combater doenças do cérebro é também a dificuldade dessas proteínas em transpor a barreira hematoencefálica. “Os anticorpos, devido às suas características e ao seu tamanho, são incapazes de atravessar a barreira”, explica Vera Neves.
Na tentativa de ultrapassar essa limitação, pesquisadores tentam desenvolver anticorpos biespecíficos, ou seja, capazes de reconhecer, por um lado, a barreira hematoencefálica (para conseguir atravessá-la), e, por outro, o alvo terapêutico (para agir contra a doença). Esses esforços, descritos por Neves e colaboradores em artigo de revisão publicado em 2016 e também financiado em parte pelo projeto Inpact, poderão dar origem a estratégias terapêuticas tanto para doenças neurológicas como para determinados tipos de câncer, especificamente os tumores cerebrais.
Margarida Martins
Instituto de Medicina Molecular (Lisboa/ Portugal)
Especial para CH On-line