Insegurança alimentar à vista

A produção de arroz em toda a Ásia será provavelmente afetada pelas mudanças climáticas. Na foto, campos de arroz em Bali, Indonésia (fotos: Marshall Burke).

Os sistemas agrícolas serão seriamente afetados pelo aquecimento global nas próximas décadas. Se nenhuma medida de adaptação for tomada, até 2030 o aumento das temperaturas e o declínio das chuvas em regiões do planeta que sofrem com a insegurança alimentar provavelmente reduzirão a produção de cultivos essenciais para as populações dessas áreas, o que pode diminuir ainda mais a disponibilidade de comida.

Segundo estudo norte-americano publicado esta semana na Science, o sul da Ásia e a África meridional são áreas particularmente vulneráveis à escassez de alimentos. No Brasil, as mudanças climáticas devem ter impactos negativos sobre a produção de trigo, arroz, milho e mandioca.

“É provável que a soja também seja afetada negativamente no Brasil, embora em menor medida”, diz à CH On-line um dos autores do artigo, David Lobell. “Já a cana-de-açúcar não deve ser prejudicada”, completa o pesquisador, vinculado ao Programa de Meio Ambiente e Segurança Alimentar da Universidade de Stanford e ao Laboratório Nacional Lawrence Livermore, ambos nos Estados Unidos.

O grupo analisou os impactos das mudanças climáticas sobre os cultivos mais importantes nas 12 principais regiões do mundo que abrigam grande quantidade de pessoas com fome – muitas delas localizadas em zonas tropicais e subtropicais. A análise baseou-se em estatísticas de cultivo e projeções climáticas para o ano de 2030 geradas por 20 modelos diferentes, que apontam aumento de temperatura de 0,5ºC a 2ºC nessas regiões e resultados variados quanto ao volume de chuvas.

A avaliação revelou algumas projeções negativas, por exemplo, para o milho e o trigo na África subsaariana, com estimativa de pelo menos 95% de chance de que as mudanças climáticas prejudicarão a produção agrícola na falta de medidas de adaptação. Em muitos casos, há grandes incertezas: os impactos variam desde muito negativos a muito positivos, como o amendoim no sul da Ásia e o Sorghum (gênero que inclui 20 espécies de gramíneas) na África meridional. Também existem exemplos de cultivos que sofreriam impactos menores, como o trigo no oeste da Ásia.

O trigo (na foto), o arroz, o milho e a mandioca estão entre os sistemas agrícolas que sofrerão impactos negativos no Brasil devido ao aquecimento do clima e à diminuição das chuvas.

Ameaça clara
“Apesar das muitas suposições e incertezas associadas com os cultivos e modelos climáticos usados, a análise aponta para muitos casos em que a segurança alimentar é claramente ameaçada pelas mudanças climáticas em um prazo relativamente curto”, dizem os autores no artigo.

Segundo eles, o estudo identifica áreas prioritárias de preocupação, para que se invista em medidas de adaptação para moderar a severidade dos impactos das mudanças climáticas sobre os sistemas agrícolas. O emprego de fertilizantes, o melhoramento de sementes e o uso mais adequado da terra estão entre as ações que podem ser implementadas.

“Há muitas outras opções de adaptação, e a maioria delas faz sentido mesmo sem as mudanças climáticas”, acrescenta Lobell. “Alguns exemplos seriam desenvolver variedades mais tolerantes ao aquecimento e à seca, melhorar o manejo dos cultivos agrícolas e diversificar as fontes de renda dos fazendeiros“, enumera.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
31/01/2008