A figura do zumbi – morto reanimado que perambula sobretudo à noite e age de modo estranho – sempre esteve presente no imaginário popular afro-americano. Se o comportamento excêntrico dessas criaturas intriga fãs de filmes de terror – como o clássico A noite dos mortos-vivos, do cineasta americano George Romero –, o grupo de fungos que altera o hábito de formigas chama a atenção de pesquisadores.
Esses insetos, após serem contaminados por fungos, passam a se comportar de forma atípica: vagam pela colônia sem realizar suas atividades cotidianas, podendo ainda ser carregados por outras formigas para longe do formigueiro. Por essa razão, foram denominados formigas-zumbi.
Os fungos que parasitam insetos são conhecidos desde o século 19, e a espécie Ophiocordyceps unilateralis era responsável por infectar formigas, alterando o seu comportamento.
Mas, em 2011, uma expedição à mata atlântica em Minas Gerais, coordenada pelo pesquisador britânico Harry Evans, revelou quatro novas espécies de fungos que infectam diferentes espécies de formiga do gênero Camponotus.
Os novos fungos foram batizados segundo as espécies de formiga que atacam: Ophiocordyceps camponoti-rufipedis, O. camponoti-balzani, O. camponoti-melanotic e O. camponoti-novagrandensis.
No final de 2013, alunos do Programa de Pós-graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também encontraram amostras de formigas contaminadas por fungos desse gênero em um fragmento de floresta nebular do Parque Nacional de São Joaquim, no município catarinense de Urubici.
“É possível que as amostras sejam de uma nova espécie de fungo”, afirma o biólogo Elisandro Drechsler dos Santos, do Departamento de Botânica da UFSC, que orienta o trabalho dos estudantes. Tal suposição ampara-se no fato de as amostras – que estão em processo de identificação – terem sido coletadas em ambiente muito diferente daquele explorado pela equipe de Evans.
Formigas-zumbi
O modo de infecção da formiga ainda não foi totalmente elucidado. O inseto, segundo Drechsler, tem como proteção apenas uma carapaça de quitina (exoesqueleto) e algumas substâncias antimicrobianas. É possível que o fungo seja ingerido ou aspirado pela formiga ou, ainda, penetre em seu corpo através do exoesqueleto.
De acordo com o biólogo da UFSC, o comportamento incomum da formiga resulta da ação de metabólitos secundários produzidos pelo fungo que agem no sistema nervoso do inseto. Tais substâncias podem ser consideradas um tipo de droga.
Desorientadas, as formigas buscam ambiente com melhores condições para o desenvolvimento do fungo. Em geral prendem-se pelas mandíbulas a galhos ou folhas nas plantas, onde permanecem até morrer. O processo ocorre em um período de aproximadamente dez dias.
Após algum tempo, com o esgotamento dos nutrientes da formiga, o fungo precisa se reproduzir. Fora do corpo do inseto, cria então uma estrutura semelhante a uma antena, em cuja ponta são produzidos e liberados esporos. Lançados ao chão, esses esporos contaminam outras formigas, dando continuidade ao ciclo.
Controle populacional
Segundo Drechsler, não se pode afirmar que esses fungos ‘zumbifiquem’ outros insetos; por enquanto, o comportamento estranho só foi confirmado em formigas. Por serem insetos sociais (organizam-se em colônias ou ninhos) bem estudados, perturbações em sua conduta são detectadas com mais facilidade.
Drechsler afirma que os fungos não devem ser vistos como ameaça às formigas e descarta a possibilidade de um final apocalíptico para esses insetos. “Aqueles fungos apenas fazem uma espécie de controle populacional das formigas”, observa o biólogo. “A evolução se encarregou de ajustar um modo em que todos sobrevivam.”
A possibilidade de o inseto contaminar outros animais, inclusive o ser humano, também está descartada. “Estamos constantemente em contato com fungos, e o nosso sistema imunológico é muito mais poderoso que o das formigas”, lembra Drechsler.
Doenças causadas por fungos em homens e mulheres (a exemplo de micoses e candidíase) geralmente se instalam quando há vulnerabilidade do sistema imunológico. Mesmo em tal condição esses organismos não são capazes de comprometer o sistema nervoso humano.
Franciele Petry Schramm
Especial para CH On-line/ PR