A tática já é bem conhecida: se ela é durona, alguns presentes podem amolecer seu coração. Essa regra básica para tentar conquistar uma namorada não vale para uma espécie de percevejo d’água encontrada na Austrália. Cientistas verificaram que o acasalamento desses insetos é marcado por uma “inversão de papéis”: em vez de o macho oferecer presentes para a fêmea, é ela quem fornece comida, transporte e sexo à vontade ao seu companheiro.
Durante a cópula, a fêmea do percevejo d’água australiano carrega e
alimenta o macho, que tem a metade de seu tamanho (foto: CSIRO
2001. Invertebrate Taxonomy, vol. 15, #2 – NM Andersen & TA Weir)
A descoberta foi realizada pelo pesquisador Goran Arnqvist, da Universidade de Uppsala (Suécia), juntamente com Mark Elgar e Therésa Jones, ambos da Universidade de Melbourne (Austrália). O estudo foi publicado na revista Nature em 24 de julho.
“No reino animal, nem sempre o ato sexual é precedido pela oferenda de presentes por um dos parceiros”, afirma o zoólogo Ângelo Machado, da Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo ele, um exemplo bem conhecido até então era o dos mecópteros. Entre esses insetos, o macho oferece um mosquito à fêmea para seduzi-la (a cópula dura o tempo necessário para o consumo do banquete a dois). O que se constatou entre os percevejos d’água australianos, no entanto, é justamente o inverso.
A equipe de Arnqvist descobriu que, nessa espécie ( Phoreticovelia disparata ), a fêmea alimenta o macho com secreções glandulares, o que levanta discussão sobre o investimento paterno na formação dos filhotes — tese mais aceita até hoje para justificar tantos agrados. Para tentar entender como ocorre essa inversão de papéis, os cientistas realizaram um teste.
Uma mosca da espécie Drosophila melanogaster foi marcada radioativamente e em seguida fornecida como comida para alguns percevejos fêmea. Com a ajuda de um aparelho que rastreia o marcador no corpo dos insetos, foi possível concluir que o material radioativo, presente a princípio apenas no organismo das fêmeas, foi transferido para os machos após 10 dias.
A presença de glândulas da fêmea ativadas durante a cópula — que pode durar até uma semana — sugere que o macho se alimenta da secreção da parceira enquanto ocorre a fecundação. Observações posteriores constataram que a taxa de sobrevivência dos machos estudados aumentou em 50% após a cópula — e a “refeição” a ela associada.
Se as vantagens desse tipo de acasalamento para um percevejo macho soam evidentes, o mesmo não se pode dizer sobre as fêmeas. “Suspeitamos que as fêmeas alimentem os machos para mantê-los ’felizes’, assim eles não comem diretamente a ’carne’ da fêmea”, disse Arnqvist à CH on-line . “Mas ainda não temos evidências disso.”
A equipe especula ainda que a fêmea permitiria tantas regalias para economizar energia. Alguns biólogos sugerem que a fêmea se desgastaria mais caso dispensasse o macho após a deposição do esperma e se relacionasse com outros parceiros. “A fêmea poderia até se machucar se fosse disputada por vários machos ao mesmo tempo”, acredita Elgar.
Andreia Fanzeres
Ciência Hoje On-line
07/08/03