As fortes chuvas que recentemente provocaram inundações no Rio, em Santa Catarina e em regiões da Austrália, Paquistão e Arábia Saudita levantam uma questão: esses eventos climáticos extremos estão relacionados ao aquecimento global? Dois estudos publicados na revista Nature desta semana dizem que sim.
As pesquisas apontam que a presença na atmosfera de gases-estufa antropogênicos, ou seja, originados pela ação humana, aumenta significativamente a probabilidade de tempestades, caracterizadas por mais de 100 milímetros de água por metro quadrado em um dia.
Ao contribuírem para o aumento da temperatura da atmosfera, esses gases levam a um acúmulo maior de vapor d´água, que se transforma em chuva.
Um dos estudos, liderado pelo meteorologista Francis Zwiers, do Centro Canadense para Modelos e Análises Climáticas, contabilizou os índices máximos de precipitação do hemisfério Norte de 1951 a 1999 e concluiu que o aumento dos gases-estufa contribuiu para a intensificação das chuvas fortes em aproximadamente dois terços das áreas analisadas.
Trabalhos anteriores, dentre eles outra pesquisa liderada por Zwiers, já haviam sugerido que a influência humana no aquecimento global poderia ser responsável pelo aumento das precipitações. Mas o estudo é o primeiro a identificar essa contribuição.
Fortes indícios
“Nosso estudo mostra que os modelos climáticos globais atuais podem subestimar a tendência observada de aumento das chuvas”, afirma Zwiers. “No futuro, as chuvas fortes podem se tornar mais comuns e mais intensas, gerando mais impactos negativos do que o previsto.”
Segundo o pesquisador, o estudo só pôde ser realizado devido ao grande número de modelos climáticos de diferentes décadas disponíveis hoje. Para ter certeza de que o aumento foi causado pelos gases-estufa, os pesquisadores compararam os modelos climáticos da segunda metade do século 20 com a concentração de gases-estufa na atmosfera durante os anos e confirmaram que as chuvas se tornaram mais intensas conforme as emissões aumentaram.
“Esse aumento não poderia ser causado por uma mudança natural”, afirma Zwiers. Segundo o pesquisador, fenômenos como o El Niño, que afeta a dinâmica das chuvas no hemisfério Norte, possuem padrões espaciais específicos que não foram observados nos modelos gerados pela pesquisa.
O segundo estudo, da Universidade de Oxford, focou nas enchentes do Reino Unido de outubro a novembro de 2000, as maiores que os britânicos enfrentaram desde 1766. Os pesquisadores geraram dois modelos computacionais para o fenômeno: um totalmente baseado no cenário real e outro livre dos gases-estufa antropogênicos.
Cada modelo teve que ser simulado milhares de vezes para se chegar a um resultado confiável. Para isso, os pesquisadores contaram com a ajuda dos voluntários do projeto Climateprediction.net, que cederam seus computadores pessoais para rodar as simulações.
A comparação dos modelos sugere que as emissões aumentaram em mais de 50% o risco de enchentes no Reino Unido naquele ano.
Cada caso é um caso
Um dos pesquisadores envolvidos no estudo, Pall Pardeep, ressalta que o trabalho diz respeito apenas às enchentes britânicas do ano 2000, mas afirma que a metodologia utilizada pode servir para avaliar a influência de fatores externos em outros tipos de eventos climáticos, como as inundações causadas pelo derretimento de neve.
Zwiers diz também que não é possível atribuir ao aquecimento global a responsabilidade pelas enchentes ocorridas no Brasil, por exemplo. Cada caso deve ser analisado separadamente, enfatiza o pesquisador.
“É preciso muito tempo de pesquisa para determinar se um evento extremo é influenciado pelo homem ou não”, conta. “E, mesmo assim, só podemos dizer qual é a probabilidade de o evento ter sido causado diretamente pela ação humana.”
Já o meteorologista brasileiro Luiz Carlos Austin acredita que os gases-estufa não têm tanta influência assim sobre as inundações. “Não se pode atribuir o aumento das enchentes somente ao aquecimento global e ao efeito estufa”, afirma.
Austin argumenta que há 100 anos já havia registros de chuvas tão violentas quanto às atuais em vários países no mundo. “A diferença é que, hoje, o aumento das populações e das ocupações irregulares torna esses eventos muito mais impactantes para a economia e para a sociedade”, acrescenta o pesquisador.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line