Um dos maiores físicos de todos os tempos, quem diria, era um narcisista convicto. Preocupado com sua imagem, Isaac Newton não só financiou várias das mais de 20 pinturas e bustos que o retrataram, como costumava escolher quais iria distribuir e para quem. Isso é o que mostra um estudo da historiadora da ciência Patricia Fara, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), que analisou os retratos e hábitos do criador da teoria da gravitação universal.
Newton pintado por Godfrey Kneller em 1689
O atual mais famoso retrato do cientista foi pintado por Godfrey Kneller em 1689, dois anos após a publicação da mais conhecida obra newtoniana — os Principia Mathematica . No artigo publicado em 7 de fevereiro na revista Science , a pesquisadora analisa a tela e identifica ali todos os sinais de um estudioso dedicado e solitário: cabelos grisalhos e despenteados, rosto magro e pálido, mãos delicadas e roupas escuras. Mas como ter certeza da fidelidade ao modelo original?
No século 17, as pinturas eram importantes ferramentas de propaganda e retratavam os grandes pensadores como eles gostariam de ser vistos. “Os artistas adulavam seus clientes e freqüentemente escondiam sinais de velhice”, conta Fara em seu artigo. Os pintores de Newton, por exemplo, retratavam-no com um olhar penetrante — desmentido pelo bispo de Rochester, que conviveu com o cientista por 20 anos.
Os biógrafos de Newton também preservam a imagem de que ele evitava a fama e não se interessava por arte. Esse poderia até ser o comportamento adequado a um gênio discreto, mas evidências visuais apontadas por Fara sugerem que ele moldava a construção de sua imagem pública segundo seus interesses. O fato de financiar a confecção de imagens suas atesta uma grande preocupação com o resultado final.
Algumas delas eram dispostas por sua casa em Londres, onde seus convidados poderiam admirá-las. Certa vez, para impressionar a comunidade internacional de filósofos naturais (como eram então conhecidos os físicos), Newton doou um enorme retrato seu para a Royal Society com o rótulo ‘Sir Isaac Newton, President’ , estampado em letras de ouro. Ele também costumava enviar figuras suas em agradecimento por favores prestados.
Fara conta que, entre os diferentes retratos de Newton que circularam no século 18, o de 1689 não estava incluído. Ele ainda não havia sido difundido até 1857, quando foi descoberto por um cientista de Manchester (Inglaterra) e disponibilizado em uma grande exposição no local. Desde então, ainda que documentos modernos apontem o cientista como áspero e obsessivo, a pintura de Kneller — que mostra um bem-vestido Newton, como um gentleman sociável — transformou-se em ícone do gênio.
Elisa Martins
Ciência Hoje on-line
14/02/03