Juntando as peças

Após o sequenciamento do genoma humano, laboratórios de todo o mundo têm se dedicado à tarefa de identificar as proteínas expressas por nossos genes em diferentes circunstâncias. O estudo do proteoma humano, como é chamado pelos pesquisadores, tem no espectrômetro de massas um de seus grandes aliados. Esse equipamento é capaz de fragmentar proteínas e identificar sua composição.

Identificar as milhares de proteínas presentes em misturas complexas como fluidos biológicos é um grande desafio para os pesquisadores. Até o momento, o espectrômetro de massas do tipo orbitrap, usado nessa operação, só era capaz de analisar um fragmento de proteína por vez.

Agora, uma nova metodologia desenvolvida por pesquisadores brasileiros permite que mais de um fragmento proteico seja analisado simultaneamente, o que aumenta a eficácia desse procedimento. O novo método foi apresentado em um artigo publicado no início do ano no periódico Bioinformatics.

O método desenvolvido por brasileiros permite a análise simultânea de mais de um fragmento proteico

O método foi desenvolvido pelo engenheiro de computação Paulo Costa Carvalho, que atualmente conduz pesquisas no Laboratório de Toxinologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A metodologia computacional proposta por ele reconhece padrões nos dados de espectrometria de massa e permite a análise simultânea de mais de um fragmento proteico por vez.

“Com a nova metodologia, somos capazes de identificar e melhor quantificar proteínas que antes não era possível estudar”, explica Carvalho. A técnica pode ser usada, por exemplo, para investigar as diferenças em escala molecular entre células sadias e com câncer. O método também poderá ajudar na pesquisa para o desenvolvimento de novos diagnósticos e na medicina personalizada.

O projeto foi desenvolvido durante o doutorado-sanduíche de Carvalho no Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia (EUA), juntamente com o grupo do químico norte-americano John R. Yates e com o pesquisador Valmir Barbosa, do programa de engenharia de sistemas da Coppe/UFRJ).

No vídeo abaixo, Paulo Costa Carvalho
destaca a importância de se conhecer as
proteínas associadas a doenças variadas:

Para entender o câncer

Dentre as doenças que já estão sendo estudadas com a nova técnica, encontra-se um tipo de câncer no cérebro conhecido como glioblastoma multiforme. A engenheira química Juliana de Saldanha da Gama Fischer, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz que também fez doutorado-sanduíche no Instituto Scripps, vem usando a metodologia para estudar os efeitos do quimioterápico álcool perílico em pacientes terminais com esse tipo de tumor.

O álcool perílico, composto encontrado naturalmente em óleos essenciais de menta, cereja, semente de aipo e outros vegetais, vem sendo adotado para tratar estágios avançados de glioblastoma no Brasil praticamente sem efeitos colaterais.  Inicialmente, os pacientes apresentam uma redução do tumor. Com o passar do tempo, no entanto, o tumor pode adquirir resistência ao medicamento e deixar de responder ao tratamento.

Compreender melhor os mecanismos de resistência do tumor ajuda a desenvolver tratamentos mais eficazes

Esse impasse levou Fischer a identificar e analisar em laboratório as pequenas diferenças apresentadas entre as células tumorais resistentes e não resistentes à droga.

Os resultados, publicados em março no periódico Journal of Proteomics, permitiram identificar proteínas que podem estar relacionadas com a resistência do tumor.

O método tem permitido entender a ação do álcool perílico sobre as proteínas das células cancerosas. “Compreender melhor os mecanismos de resistência do glioblastoma multiforme a esse quimioterápico ajuda a desenvolver tratamentos mais efetivos contra essa doença”, explica Fischer.  Mas a engenheira química ressalta que ainda é cedo para pensar em cura para casos terminais desse tipo de câncer cerebral.

O estudo de Fischer contou ainda com a participação de Clóvis Orlando da Fonseca, da Universidade Federal Fluminense, de Gilberto Domont e Maria da Glória, ambos da UFRJ.

Debora Antunes
Ciência Hoje On-line