As temperaturas cada vez mais altas causadas pelo aquecimento global podem levar à extinção de grande parte das espécies de lagartos por todo o mundo. Essa é a conclusão de um estudo publicado na Science, que foi desenvolvido por 26 pesquisadores de 12 países dos cinco continentes.
O resultado indica que, com a redução de espécies de lagartos – importantes presas de pássaros e cobras, e os maiores predadores de insetos – apareceriam diversas outras falhas na cadeia alimentar, podendo afetar diretamente a vida do homem.
A proposta para o estudo surgiu a partir da década de 70, quando Barry Sinervo, professor da Universidade de Califórnia de Santa Cruz, nos Estados Unidos, pesquisava aspectos como a cor e comportamento dos lagartos. Em 2002, o herpetólogo voltou aos locais de análise e observou uma redução no número de espécies.
“Percebi que 30% dos lagartos do sul da Europa haviam desaparecido nesse intervalo de tempo, e decidi encontrar o motivo”, conta Sinervo. Cinco anos mais tarde, inspirado pelo colapso por que passava a biodiversidade europeia, ele resolveu estender sua pesquisa ao México.
“O quadro de perda de biodiversidade neste país foi mais assustador do que na Europa”, alerta ele. A expectativa é de que até 50% das espécies mexicanas possam ser extintas até 2080.
Durante os últimos 35 anos, cientistas do mundo todo estudaram a ecologia térmica desses animais. Carlos Frederico da Rocha, pesquisador brasileiro do grupo, explica que os lagartos são seres de especial interesse para se observar os efeitos do aquecimento global.
“Eles são altamente sensíveis às alterações da temperatura do ambiente, uma vez que precisam dela para se auto-regular”, diz o biólogo, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Termômetros vivos
Os lagartos servem como um termômetro do ambiente em que eles estão inseridos. Isso porque, ao contrário dos mamíferos, eles dependem do calor externo para regular sua temperatura interna. Há uma temperatura máxima tolerada por eles e, quando ela é atingida, eles buscam lugares de sombra.
Para acompanhar o comportamento desses répteis, o grupo de cientistas usou um pequeno boneco eletrônico que simula a temperatura do corpo de um lagarto tomando sol. Durante quatro meses, os ‘manequins térmicos’ ficaram expostos ao sol tanto em áreas onde populações de lagartos ainda crescem quanto outras em que já foram extintas.
Os resultados obtidos por Barry Sinervo mostram que, nas áreas onde ainda há populações, houve uma redução de quatro horas no tempo que poderiam ficar expostos. Naquelas onde espécies já desapareceram, essa redução foi de nove horas. “Ou seja, as temperaturas aumentaram de tal maneira que os lagartos têm de ficar menos tempo no sol para que não superaqueçam”, explica o pesquisador.
O problema é que, assim, eles acabam tendo menos tempo para as atividades diárias, como a obtenção de alimento. No Texas, nos Estados Unidos, foi observado que um aumento de apenas 2°C já pode ser suficiente para impedir que a espécie Sceloporus merriami, ou lagarto da costa, se alimente o suficiente.
Além disso, as altas temperaturas comprometem o desenvolvimento do embrião no útero, prejudicando a reprodução dessas espécies e levando-as à extinção.
As análises indicam que as espécies vivíparas (nas quais os filhotes são formados dentro do corpo materno) correm quase o dobro do risco de extinção, basicamente porque devem manter a temperatura do corpo mais baixa. Dessa forma, as populações têm de migrar para áreas de maior altitude, o que contribui ainda mais para a sua extinção, uma vez que aumenta a competição nessas áreas.
Caso brasileiro
Madagascar foi apontada como a região que mais sofrerá com as extinções de lagartos: a estimativa dos pesquisadores é que cerca de 20% de suas populações desaparecerão. Mas a pesquisa também apresenta dados alarmantes para o Brasil.
Segundo Sinervo, na alta diversidade da Amazônia existem espécies endêmicas que serão as primeiras a serem extintas, por conta de suas particularidades. “Nós podemos perder espécies que sequer foram descobertas pela ciência”, alerta o pesquisador.
Rocha garante que o Brasil já sofre as consequências da perda de espécies em função do aquecimento global. Ele estuda a espécie Liolaemus lutzae, também conhecida como “lagartinho-branco-da-praia”, exclusiva do estado do Rio de Janeiro. “Das 24 populações existentes no Rio, sete já desapareceram nos últimos 80 anos”, conta.
No entanto, os pesquisadores frisam que o alerta vale para todo o planeta – e para diversos outros animais além dos lagartos. Anfíbios, aves e outras espécies terrestres estão sendo afetas pelo aquecimento global, e os impactos são visíveis já nos dias de hoje. “Os cientistas, principalmente do Brasil, precisam se conscientizar de que devemos observar os efeitos do aquecimento já no presente, e não nos focar apenas no futuro”, reflete Rocha.
Para evitar o cenário alarmante de extinções em massa, os responsáveis pelo estudo dizem que os governos precisam adotar medidas urgentes para reduzir as emissões de gás carbônico na atmosfera. “Não há solução para o quadro, mas há chance de prevenção”, afirma Sinervo.
Ele explica que é possível adiar as mudanças climáticas e dar tempo para que as espécies se adaptem. “Se agirmos agora, poderemos fazer com que os 20% de lagartos previstos para serem extintos até 2080 cheguem a apenas 6%”, garante.
Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line