Desde 1992 a Organização das Nações Unidas (ONU) busca um acordo entre seus países membros com o objetivo de atenuar a influência humana em mudanças no clima global. Mas uma das principais medidas, a redução na emissão de carbono, esbarra em consequências negativas às economias locais. Mais de 20 anos depois, as negociações ainda não resultaram em tratados consensuais.
Para o cientista político David G. Victor, diretor do Laboratório de Legislação Internacional e Regulação da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), está na hora de buscar outras vias para se chegar a acordos climáticos eficazes. A principal estratégia seria estabelecer pactos mais flexíveis entre grupos menores de países.
Embora se mostre pouco otimista, Victor considera que há modelos que poderiam ser seguidos nas discussões sobre o clima, como o da formação do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio e da Organização Mundial do Comércio. “Até que fossem concretizados, esses processos levaram 50 anos”, afirma. “As negociações sobre o clima deverão exigir um tempo semelhante antes de chegarmos a soluções sérias”, completa.
Autor do livro Global warming gridlock: creating more effective strategies for protecting the planet, o cientista político esteve no Brasil na semana passada para participar de um ciclo de conferências sobre os desafios da globalidade, promovido pela Universidade de São Paulo. Em entrevista à CH On-line, Victor falou do seu ponto de vista sobre a questão.
Após mais de 20 anos de negociações internacionais sobre tratados que visam mitigar o problema das mudanças climáticas, o senhor acha que houve mais avanços ou retrocessos?
O resultado líquido é zero. Houve alguns progressos – por exemplo, a criação de marcos legais e de sistemas de rastreamento de emissões de carbono –, mas também grandes retrocessos, principalmente na confiança que as pessoas têm de que a diplomacia fará muita coisa.
Por que há tanta dificuldade para se estabelecer um consenso global em torno de tratados climáticos? Há outras razões que não puramente econômicas?
O problema central é que mudança climática é um tema difícil de lidar. Exige que países com interesses muito diferentes cooperem durante períodos muito longos e que estejam dispostos a adotar regulamentos que serão onerosos no futuro, com a promessa de benefícios incertos. Poucas sociedades estão dispostas a firmar acordos desse tipo. O maior problema, no entanto, é que o mundo conseguiu tornar essa questão ainda mais difícil ao adotar estratégias erradas. Por exemplo, quase todas as negociações envolvem grande número de participantes da ONU. Ao tentar criar um acordo sobre um tema complexo envolvendo muitos países membros, as negociações se tornam ainda mais espinhosas. Seria melhor trabalhar com grupos menores e com acordos mais flexíveis, em vez de propor tratados juridicamente vinculativos, que têm se mostrado muito rígidos.
Que estratégia o senhor propõe para conseguir sucesso nessas negociações? Como ela pode ser melhor do que o que tem sido feito até agora?
A primeira delas seria tirar as negociações do âmbito da ONU e levá-las a grupos menores. Já há uma experiência no Fórum das Maiores Economias sobre Energia e Clima, mas infelizmente os governos não têm dado a esse processo a importância que realmente tem. Outra estratégia seria trabalhar em aspectos do problema do clima em que há maiores chances de progressos tangíveis – como na emissão de fuligem, e não apenas no controle do dióxido de carbono.
Que papel tem o Brasil como um dos maiores emissores de carbono e, ao mesmo tempo, uma das mais importantes economias emergentes?
O Brasil é um ator fundamental, pois é o país com a maior experiência em lidar com o desmatamento. Desde 2004, reduziu o ritmo de perda de florestas em cinco vezes – nenhum outro país chegou perto disso. Portanto, pode ensinar o resto do mundo como conseguiu fazer isso e tornar condicionais os compromissos futuros de cortar emissões sob a condição de outros governos adotarem políticas sérias em seus países. Isso criaria um incentivo maior para outros países agirem.
Há exemplos de negociações internacionais em outras áreas que possam ser adotadas como referência nas discussões sobre tratados climáticos?
Um dos problemas da diplomacia do clima é que usamos negociações ambientais como modelo – por exemplo, negociações sobre a proteção à camada de ozônio. Modelos melhores são encontrados no campo econômico, notadamente o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio e a Organização Mundial do Comércio. Esses processos levaram 50 anos para se estabelecer. As negociações sobre o clima deverão exigir um tempo semelhante antes de chegarmos a soluções sérias.
Internamente, o que os países poderiam fazer para cumprir os acordos? O uso de fontes de energia alternativas é a principal decisão a se tomar?
Cada país deve adotar um expediente distinto. No Brasil, a estratégia é incentivar o uso de fontes de energia renovável (hidrelétricas e etanol, por exemplo) e reduzir o desmatamento. Na China, a estratégia deve ser melhorar a eficiência na geração de energia e migrar, quando for possível, para combustíveis que não sejam tão poluentes quanto o carvão mineral (maior fonte de energia na China). Nos Estados Unidos, a estratégia vai envolver mais o uso de gás natural e de energias renováveis. Não há exatamente uma decisão principal para todos os países, e a chave para o sucesso com a diplomacia será adotar políticas flexíveis para acomodar essa variedade de alternativas.
O senhor acredita que essa questão será resolvida um dia?
Sim, mas levará bastante tempo ainda. As mudanças necessárias são muitas e muito complexas. O que é praticamente certo é que ao longo do caminho nos veremos diante da ocorrência de mudanças climáticas globais.
(foto: Divulgação/ UC San Diego)