Loucos de amor

 


Romeu e Julieta , tela de 1870 do pintor inglês Ford Madox Brown (1821-1893). O quadro retrata uma cena da famosa história de amor entre dois adolescentes de famílias inimigas eternizada na peça do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616).

É comum ouvir os apaixonados dizerem que podem “perder a cabeça” ou “fazer uma loucura” por amor. Força de expressão? Menos do que se imagina: um estudo de uma equipe de psiquiatras suíços mostrou que a paixão intensa tem de fato algo de patológico. Os pesquisadores concluíram que adolescentes na fase inicial da paixão se comportam como indivíduos hipomaníacos, com alguns dos sintomas comuns ao transtorno bipolar.

Comparados com jovens que não estão apaixonados ou que vivem uma relação amorosa duradoura, esses adolescentes são mais ativos, concentrados e confiantes, gastam mais dinheiro e precisam de menos horas de sono. Os sintomas são muito próximos aos que definem a hipomania – um estado de humor marcado pela exaltação e euforia, pelo aumento da atividade e pela perda do sono. Quando alternada com episódios depressivos, a hipomania caracteriza o chamado transtorno bipolar.

Mas será preciso tratar um indivíduo que apresenta hipomania? “Não há uma resposta clara para essa questão”, conta à CH On-line o autor principal do estudo, o psiquiatra Serge Brand, da Clínica Psiquiátrica Universitária da Basiléia, na Suíça. “Alguns psiquiatras norte-americanos dirão que um paciente hipomaníaco precisa ser tratado. Mas alguns estudos epidemiológicos europeus indicam que cerca de 10% dos adultos jovens têm variações de humor que podem ser classificadas como estágios hipomaníacos.”

Em todo caso, o psiquiatra não vê qualquer motivo de preocupação na conclusão do estudo. “Felizmente, os sintomas que identificamos nos adolescentes na fase inicial do amor romântico são apenas os sintomas positivos da hipomania, como um aumento da energia e da atividade”, diz. “Eles não manifestaram os sintomas negativos da hipomania, como o aumento do comportamento de risco e do consumo de álcool e drogas.”

Início de um grande amor
Os pesquisadores monitoraram 107 adolescentes com 18 anos de idade em média. Entre eles, 60 estavam vivendo o início de um grande amor – surgido há pouco mais de cinco meses, em média. Eles foram comparados com o grupo de controle – os outros 47, que não estavam apaixonados ou que viviam uma relação consolidada, com duração média de treze meses. Os adolescentes responderam a questionários padrão usados para avaliar a qualidade do sono e para diagnosticar a hipomania.

No questionário para caracterizar a hipomania, os adolescentes recém-apaixonados obtiveram média de 16,2 pontos, contra 9,8 do grupo de controle – para efeito de comparação, pacientes hipomaníacos adultos citados no estudo tinham pontuação média de 17,7. A conclusão é clara: “Adolescentes na fase inicial do amor romântico não diferem dos pacientes durante um estágio hipomaníaco”, afirmam os autores em artigo publicado em julho no Journal of Adolescent Health . Os resultados indicariam que o início de uma paixão intensa configura um “estágio psicopatologicamente proeminente”.

Segundo os autores, os resultados devem ser levados em conta no acompanhamento psicológico de adolescentes e em futuros estudos de comportamento. O fato de os jovens estarem ou não vivendo o início de uma paixão poderia influenciar o resultado dessas pesquisas e deve ser considerado.

Serge Brand conta que escolheu estudar os adolescentes devido à escassez de pesquisas para caracterizar o início da paixão nessa idade. Ele acredita que os resultados sejam válidos também para adultos, embora não haja estudos que confirmem isso. Alguns trabalhos identificaram mudanças fisiológicas em adultos que vivem o início da paixão, como o aumento da secreção de determinados hormônios ou a maior ativação de certas áreas do cérebro. “A descrição dada por esses estudos dá uma indicação clara de que os adultos se comportam da mesma forma que os adolescentes”, afirma Brand.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
20/08/2007