Cerca de 160 grupos de pesquisa de um consórcio internacional passaram cinco anos mapeando o DNA humano em busca de alterações associadas ao câncer de próstata, ovário e mama – tipos que, juntos, respondem por mais de um terço das ocorrências da doença. O resultado é a identificação de 74 novas regiões genéticas ligadas ao risco de desenvolver esses cânceres.
Essas regiões, chamadas de loci, ficam nos cromossomos e foram detectadas depois da análise do DNA de cerca 100 mil pessoas com câncer e 100 mil pessoas saudáveis.
Os cientistas – reunidos no Collaborative Oncological Gene-environment Study (COGS) – compararam o material genético dos dois grupos identificando, entre as pessoas doentes, variações na ordem das bases nitrogenadas – as ‘letras’ que compõem o DNA. A troca de uma ‘letra’ da sequência de DNA pode determinar algumas características físicas, como a presença de sardas, e também gerar alterações fisiológicas que levam ao câncer.
Milhares de variações na ordem das letras do DNA foram encontradas. Para saber quais alterações tinham relação com o câncer, os pesquisadores fizeram análises estatísticas e testes em laboratório que levaram em conta o genoma e o histórico familiar de doenças.
Olhar individualmente para cada alteração exigiria um estudo de décadas. No caso, algumas ‘trocas de letras’ foram estudadas mais a fundo e tiveram seus mecanismos e efeitos fisiológicos elucidados, mas o foco geral da pesquisa foi a detecção das regiões dos cromossomos onde essas alterações mais ocorrem.
No total, os cientistas detectaram 41 regiões associadas ao risco de câncer de mama, duas ligadas ao câncer de ovário e 23 ao de próstata. Os números dobram a quantidade de variações genéticas até então conhecidas para os três cânceres.
As alterações genéticas ligadas à doença são passadas de pais para filhos. Com o novo estudo, a chance de que um câncer de mama seja atribuído a causas hereditárias passa a ser estimada em 28%. Para o de ovário, a porcentagem passa a ser de 4% e, para próstata, 30%.
Esses resultados foram descritos em nada menos que 12 artigos publicados em revistas científicas de renome, como a Nature Genetics. O coordenador do consórcio responsável pela pesquisa, Per Hall, do Real Instituto Carolíngio Sueco , acredita que o trabalho tem grande potencial para melhorar o diagnóstico e o tratamento dessas doenças.
“No ocidente, uma em cada nove mulheres e um em cada oito homens são diagnosticados com câncer de mama e próstata. O de ovário, apesar de mais raro, é quase sempre fatal”, afirma. “Agora, já sabemos para onde no genoma devemos olhar em futuros estudos e, entendendo melhor os mecanismos por trás desses cânceres, podemos fazer com que essas estatísticas sejam menos assustadoras.”
Cálculo de risco
A aposta dos cientistas é que, conforme estudos como esse avancem e mais alterações genéticas sejam conhecidas, se torne possível calcular com precisão a chance de uma determinada pessoa desenvolver câncer.
“A estimativa do risco individual é um problema difícil, no entanto, espera-se que esses resultados contribuam para que muito em breve essas análises passem a ser corriqueiras e precisas”, diz o biólogo molecular brasileiro que participou do estudo, Álvaro Monteiro, do centro norte-americano de pesquisa sobre o câncer Lee Moffitt. “Com o risco estimado, podemos tomar as providências de prevenção e vigilância.”
Atualmente, existem testes genéticos para detectar mutações em dois genes (BRCA1 e BRCA2) que podem aumentar significativamente o risco de desenvolvimento de câncer em pessoas com histórico familiar. Mas Monteiro explica que apenas uma pequena parcela de pacientes tem esses marcadores. Quanto mais alterações genéticas ligadas ao câncer forem descobertas, mais perto a medicina estará de determinar o risco real de cada pessoa ser acometida pela doença.
Outro brasileiro envolvido no consórcio, o bioquímico Renato Carvalho, pós-doutorando do Instituto do Câncer (Inca), destaca a importância da continuação desse tipo de estudo. “Varreduras tão compreensivas como essa abrem diversas frentes de investigação, que podem, em última análise, revelar novos mecanismos do câncer e novos alvos para as terapias”, afirma.
Uma nova rodada do consórcio COGS já está planejada. Desta vez, 400 mil pessoas terão seus DNAs examinados em busca de mais regiões genéticas associadas ao câncer.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line